EXCELENTÍSSIMO(A)
SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PARNAÍBA,
ESTADO DO PIAUÍ
Referente
aos autos de N°. 0004431-89.2012.8.18.0031
Ação Civil
Pública de Reforma, Aparelhamento e Inserção de Políticas de Segurança Pública
na Região Norte do Estado do Piauí
Promovente:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
Promovidos:
MUNICÍPIO DE PARNAÍBA-PI
O ESTADO DO PIAUÍ
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO PIAUÍ,
por seu integrante ao final subscrito, nos autos do processo acima epigrafado,
que move contra o Município de Parnaíba e o Estado do Piauí, ambos fartamente
qualificados na peça exordial, vem, ante Vossa Excelência, se manisfestar
acerca das contestações lançadas aos presentes fólios, aduzindo, para tanto
como réplica, as razões de fato e de direito a seguir expostas:
Por intermédio da peça que repousa nas fls. 88/101, o
Município de Parnaíba, contestou à presenta ação alengando:
a)
Impossibilidade de judicialização das políticas públicas municipais no caso
concreto/ausência de requisitos que autorizam a interferência judicial no
Mérito Administrativo;
b)
Discricionariedade do gestor público municipal;
c)
Análise aprofundada das reais possibilidades materiais, legais e financeiras do
Município que fogem da esfera institucional do Poder Judiciário;
d) Afronta ao Princípio Constitucional da
Separação de Poderes;
e) Ausência do dever de atuação da guarda municipal
no tocante à segurança pública dos cidadãos, sendo dever constitucional do
Estado;
Ao final
de sua exposição, requereu:
a) Que fossem julgados improcedente todos os
pedidos da inicial contra o ora contestante; e
b) Condenação do autor no pagamento das despesas
processuais, inclusive honorários sucumbenciais.
Na
oportunidade, juntaram a documentação acostada às fls. 103/140.
Consta nas
fls. 148/169, deste caderno processual petitório da lavra do Estado do Piauí, local
em que alegou:
a)
Incompetência absoluta deste juízo;
b)
Carência de ação por falta de interesse processual;
c)
Violação ao Princípio da Separação de Poderes;
d)
Necessidade de previsão orçamentária;
e)
Limites ao dever de prestar assistência: “A reserva do possível”; e
f)
Impossibilidade de concessão de antecipação de tutela por ausência dos
requisitos ensejadores;
Encerrou
seu articulado, efetivamente, pugnando por:
a)
O acolhimento da preliminar de incompetência absoluta do juízo;
b) A extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de
interesse processual, na dimensão necessidade e/ou utilidade, em face da perda
superveninente do objeto da ação;
c)
A total improcedência da ação, caso todas as preliminares sejam superadas; e
d) Qualquer que seja o resultado da demanda pugna pela completa
análise dos fundamentos da defesa para fins de prequestionamento obrigatório e
futura interposição dos recursos cabíveis.
São os
fatos processuais que, por ora, mais têm relevo.
Na peça de ingresso o autor, de maneira analítica e
sistematizada, já enfrentou, antecipadamente, as evasivas teses levantadas pelo
Município e pelo Estado em suas peças de defesa. Acontece que, em razão de
argumentos elencados nas peças contestativas, cabe ao órgão do Ministério
Público fazer algumas observações acerca de questões pontuais existentes nas
ditas constestações, e reforçar as teses inseridas na inicial, trazendo
argumentos jurídicos relevantes para solucionar esta demanda e,
consequentemente, demonstrar que a “tese majoritária” é a que tem o melhor
suporte do direito e por isso deve ser acolhida por este órgão jurisdicional.
I - DAS QUESTÕES PRELIMINARES:
INTERPRETAÇÃO ADEQUADA DO ART. 16, DA LEI Nº. 7.347/85, E DA
SÚMULA VINCULANTE Nº 10. DO INTERESSE DE AGIR.
Na peça
contestatória do Estado, assentou-se que este juízo é incompetente para julgar
esta demanda, já que a ação versa sobre tutela coletiva e, por isso, o
julgamento cabe a um orgão cuja jurisdição se estenda por todo o “ Território
do Estado do Piauí”. Ora, essa alegação não tem sustentação lógica nem
jurídica. Isto porque se assim fosse, toda ação coletiva teria que ser proposta
somente nos Tribunais de Justiça, uma vez que apenas este orgão jurisdicional
possui competência em todo o “ Território Estadual”, o que não condiz com a
verdade jurídica e com a legislação processual pátria.
Antes de
adentrar na interpretação jurídica correta do art. 16, da Lei Nº. 7.347/1985,
cumpre, primeiramente, escrevê-lo na sua redação integral:
“Art. 16. A sentença
civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do
órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência
de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
A
expressão “erga omnes” quer dizer que os efeitos da decisão se projetam para
além das partes no tocante a coisa julgada, tão somente. Isso significa que,
salvo as ressalvas inseridas no próprio dispositivo, não cabe outra ação com
idêntico fundamento. Este é o verdadeiro sentido e o singular alcande da norma
jurídica sobredita. Assim sendo, asseverar que este juízo é incompetente
alegando outras questões fáticas e jurídicas, as quais não versam sobre coisa
julgada, data vênia, é colocar as idéias no lugar errado. Ademais, competência
territorial é sempre relativa, desta feita, colocá-la como absoluta vulnera as
regras de competência desenhada pelo Estatuto Processual Civil.
Vê-se,
portanto, que este juízo é competente, bem como restou comprovado que se trata
de uma ação legítima que tem apoio da sociedade civil e da comunidade política
da Região Norte. A Carta Constitucional de 1988, necessariamente adota o
controle de constitucionalidade misto (ou combinado), exercido nos moldes
difuso (sistema norte americano) e concentrado (sistema europeu).
No
controle difuso, só se exige a aplicação da reserva de plenário (art. 97, da
CF/88), quando se tratar de controle exercido por tribunais, daí a Súmula Vinculante
N° 10, pautar somente a atuação de órgãos colegiados. No caso em crivo, é
possível afastar os efeitos do dispositivo por órgão jurisdicional monocrático,
já que, no sistema norte americano importado pelo Brasil, qualquer juiz pode
exercer o controle de constitucionalidade.
Assim, ao
contrário do que afirma o contestante, é possível, sim, declarar a
inconstitucionalidade do dispositivo no caso concreto.
Verifica-se
no caso em tela, claramente, o interesse de agir, sendo incabível a alegação de
carência da ação por falta de interesse processual por parte do Ministério
Público. Mister citar a lição do Professor Alexandre Câmara, senão vejamos:
“Pode-se definir o interesse de agir como a
utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante (…) o
interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com
que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio: necessidade da
tutela jurisdicional e adequação do provimento pleiteado. Fala-se assim em
interesse-necessidade e interesse-adequação.” (Lições de Direito Processual
Civil, Vol I, 6ª edição, páginas 110, 111).
Assim,
resta plenamente configurado o interesse de agir do Ministério Público, pois tanto
a demanda é necessária como a via processual é a adequada, portanto, não há que
se falar em extinção do processo sem julgamento do mérito, devendo ser
rejeitada esta preliminar, e julgado procedente o pedido autoral.
Por esses
motivos, se mostram descabidas as alegações do Estado no tocante à
incompetência do juízo, bem como a carência da ação por interesse processual,
onde a a via eleita e o juízo ora escolhido adequam-se plenamente ao que emana
a legislação em vigor.
II - DO MÉRITO:
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DO MUNICÍPIO PELA
FALTA DE SEGURANÇA PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS. NÃO DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR PÚBLICO NO TOCANTE À SEGURANÇA
PÚBLICA.
A proteção
real da sociedade é atribuição intrinsecamente ligada à própria razão de ser do
Estado. E nem poderia ser diferente, posto que se o Estado não se prestasse à
garantia da segurança do indivíduo, teríamos um caos social, com o império da
lei do mais forte e não haveria ambiente para a vida em sociedade nos moldes
atuais. Assim, o Estado não pode se afastar ou se eximir dessa sua obrigação
primária de garantir a segurança de todos os que nele se encontrarem.
Nesse
sentido, destaque-se que, à luz do que reza o art. 144, da Constituição Federal
de 1988 – CF/88, a segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Pela
definição constitucional já é possível notar que a Segurança Pública destina-se
a proteger a própria ordem social e os bens jurídicos mais importantes para o
indivíduo, quais sejam, a vida, saúde, incolumidade física, patrimônio, entre
outros, daí por que é dever do Estado e direito de todos. Esse entendimento trata-se
de uma interpretação integrativa de todo o texto Constitucional.
Assim, é
que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos da República
Federativa do Brasil, que tem como objetivos fundamentais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos.
A
Constituição, nesse sentido, garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, tais
inviolabiblidades são garantidas através de políticas públicas. Na realidade, a segurança pública compreende todo um conjunto de ações, tanto na
esfera política, quanto na administrativa, judicial e legal. Contudo, é através
do “Poder de Polícia do Estado” que se concretizam de maneira mais eficiente às
ações de segurança pública. Dessa forma, é notório e cristalino que a
judicialização das políticas públicas é benéfica na concretização dos direitos
fundamentais.
Via de
regra, as diversas Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas do Municípios trazem
em seu bojo normas de eficácia plena e imediata que atribuem ao Estado e ao
órgão central do Sistema de Segurança Pública a organização e coordenação, com
a finalidade de garantir a eficiência dos órgãos responsáveis pela segurança
pública. Portanto, a disponibilização de
meios eficientes para garantia da segurança pública não é mera atividade
discricionária do Estado, mas trata-se de atividade plenamente vinculada à
determinação Constitucional, não prosperando assim, as alegações por parte do
Município de Parnaíba, quanto a livre atuação e discricionariedade do gestor
público.
Observa-se
que, em face do previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, que institui o
princípio da inafastabilidade do judiciário, uma vez que ameaçado
constantemente e já deveras lesionado, o direito coletivo à segurança pública,
pela omissão do Estado, em oferecer condições mínimas para desenvolvimento da
atividade policial, é plenamente cabível o acionamento do Judiciário para
reparar os danos causados aos cidadãos.
Foi a
jurisprudência francesa, a partir do caso "Blanco", de 1873, que
encetou a elaboração de teorias sobre a responsabilidade do Estado sob o prisma
do direito público, originando, assim, a chamada teoria da culpa do serviço.
Na feliz
síntese de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Direito Administrativo,
Atlas, 12 ed., p. 504:
“Essa culpa do serviço público ocorre quando: o
serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal.
Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou
acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado
independentemente de qualquer apreciação de culpa do funcionário”.
Nesse
sentido, tem ampla aplicação no direito pátrio a teoria da faute du service, vale dizer, o Estado responderá se ficar
caracterizada sua inércia, omissão ou falha na prestação de serviço público
essencial, como é o caso da segurança pública que deveria ser garantida.
O Supremo
Tribunal Federal, ainda no ano de 1968, em julgado relatado pelo Ministro Temístocles
Cavalcanti, assentou: “A administração
pública responde civilmente pela inércia em atender a uma situação que exigia a
sua presença para evitar a ocorrência danosa. (RDA 97/177)”.
No mesmo
diapasão, a lição de Rui Stoco, em sua obra Responsabilidade Civil e sua
interpretação jurisprudencial, Revista dos Tribunais, 1994, pg. 270, verbis: “Por ela não se indaga da culpa do agente
administrativo, mas apenas da falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato
gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro”. Mencionado
autor aponta como exemplo de jurisprudência sobre a responsabilidade do Estado
decorrente de omissão do poder público, dentre outros, os seguintes julgados:
“Quando provada a culpa por omissão ou falta de
diligências das autoridades policias, o Estado responde civilmente pelos danos
decorrentes de depredações praticadas pela multidão enfurecida (STF – 1ª T - RE
– Rel Barros Barreto- j. 11.10.1951 – RT 225/581)
Quando a administração pública se abstém de
praticar atos ou de tomar providências que a lei lhe impõe e de sua inércia
resulta dano, a culpa se configura e sua consequente reparação surge como
imperativo indeclinável de justiça. Não se concebe a existência de Estado que
não tenha como função precípua a tutela jurídica, isto é, a garantia da ordem.
(TJMG – 2ªC - Ap – Rel Gonçalves da Silva - j. 24.3.1955 – RF 165/243)”.
Por outro
prisma, não se deve olvidar que a Carta Magna, em seu art. 37, § 6º, adotou a
teoria da responsabilidade objetiva da Administração Pública (pessoas jurídicas
de direito público), bem como, das pessoas jurídicas de direito privado,
prestadoras de serviços, desde que haja o nexo causal, ou seja, que haja um
dano causado a terceiros em decorrência da prestação de serviços públicos de
maneira defeituosa.
Demonstrada
a viabilidade da tese acima apresentada, resta acrescentar que deve recorrer ao
judiciário, para obter a reparação dos danos que porventura tiver sofrido, todo
cidadão que efetivamente tiver sido lesionado pela falta de presença física do
poder público na repressão aos crimes, bem como, na atuação da polícia
judiciária após o cometimento do delito, e cujos prejuízos poderiam ter sido
evitados ou minorados com a presença e atuação da força pública no momento
oportuno, segundo os critérios de razoabilidade. Utopicamente, talvez assim,
tendo que indenizar os cidadãos que forem prejudicados pela sua inoperância, o
Estado, através de seus agentes, se conscientize da importância de não se medir
esforços no sentido de aprimorar a segurança pública, em todo o território
nacional.
Por fim,
imperioso registrar que a pretensão deduzida não ofende nem o princípio da separação dos poderes, nem as normas
constitucionais que dispõem acerca de finanças públicas, porque, primeiro, constitui função judicial típica
o controle dos atos administrativos relacionados a direitos fundamentais; e, segundo, porque a adoção da medida
pleiteada se reduz, ao final, em hipótese de colisão de princípios (finanças
públicas x vida/segurança), os quais não se aplicam pelo método da subsunção –
próprio das regras –, e sim da ponderação, onde se exigindo a compatibilização
entre as normas em conflitos, de modo a se obter a máxima otimização de ambos.
A alegação
de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo
em cumprir seu dever constitucional de garantia dos direitos sociais,
elencandos no art. 6º, da Carta Magna, no qual inclui o direito à segurança,
senão vejamos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”.
A escolha
de políticas públicas é atribuição do Poder Executivo, por meio de um juízo de
conveniência e oportunidade, que leva em conta as necessidades prioritárias da
população e os recursos orçamentários. Tal escolha, porém, não viola a
separação dos poderes a interferência do Poder Judiciário na implementação de
políticas públicas que visam a efetivar direitos fundamentais, primeiro, porque o judiciário, entre
suas atribuições constitucionais, tem o dever de proteger os direitos
fundamentais tanto no aspecto negativo (não violação) quanto no aspecto
positivo (efetiva prestação); e, segundo,
porque cada poder (função) do Estado tem a atribuição de controlar uns aos
outros, conforme o princípio da harmonização dos poderes (art. 2º, CF) e a
teoria dos freios e contrapesos.
Por fim,
porque é entendimento pacífico no STF, que o judiciário tem legitimidade para
controlar e intervir nas políticas públicas que visem a garantir o mínimo existencial, senão vejamos:
ADPF 45/DF : "Ementa: arguição de
descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade
constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de
implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade
governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao
supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos
direitos sociais, econômicos e culturais. Carácter relativo da liberdade de
conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da 'reserva do
possível'. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade
e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do 'mínimo existencial'.
Viabilidade instrumental da argüição de Descumprimento no processo de
concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda
geração)”.
III – DOS PEDIDOS:
Por todo o exposto, somado ao quanto fora deduzido na
exordial, este representante ministerial requer
o indeferimento de todos os pedidos formulados nas contestações em
análise, ao passo em que reitera, em sua integralidade, a pretensão
deduzida na inicial.
Requer, outrossim, a
designação de audiência de instrução e julgamento.
É o posicionamento, s.m.j.
Parnaíba (PI), 30 de abril de 2013.
ANTENOR
FILGUEIRAS LÔBO NETO
Promotor
de Justiça da 1ª Promotoria
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