O tempo surdo e mudo, lentamente vai transformado tudo

Quando a lei é branda, o algoz é rápido e faceiro, em conflito com interesses da sociedade, leva da vítima o material, o passado, o emocional, o presente, o astral e o futuro. Impunidade é a falta de castigo devido, em razão de um caso concreto. O correto deve ser o seguinte: "dura lex, sed lex".

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Peça Referente a Réplica das Contestações (Estado e Prefeitura) - ACP Segurança Pública


EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PARNAÍBA, ESTADO DO PIAUÍ


Referente aos autos de N°. 0004431-89.2012.8.18.0031
Ação Civil Pública de Reforma, Aparelhamento e Inserção de Políticas de Segurança Pública na Região Norte do Estado do Piauí
Promovente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
Promovidos: MUNICÍPIO DE PARNAÍBA-PI
                      O ESTADO DO PIAUÍ






O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, por seu integrante ao final subscrito, nos autos do processo acima epigrafado, que move contra o Município de Parnaíba e o Estado do Piauí, ambos fartamente qualificados na peça exordial, vem, ante Vossa Excelência, se manisfestar acerca das contestações lançadas aos presentes fólios, aduzindo, para tanto como réplica, as razões de fato e de direito a seguir expostas:
Por intermédio da peça que repousa nas fls. 88/101, o Município de Parnaíba, contestou à presenta ação alengando:
a) Impossibilidade de judicialização das políticas públicas municipais no caso concreto/ausência de requisitos que autorizam a interferência judicial no Mérito Administrativo;
b) Discricionariedade do gestor público municipal;
c) Análise aprofundada das reais possibilidades materiais, legais e financeiras do Município que fogem da esfera institucional do Poder Judiciário;
d) Afronta ao Princípio Constitucional da Separação de Poderes;
e) Ausência do dever de atuação da guarda municipal no tocante à segurança pública dos cidadãos, sendo dever constitucional do Estado;
Ao final de sua exposição, requereu:
a) Que fossem julgados improcedente todos os pedidos da inicial contra o ora contestante; e
b) Condenação do autor no pagamento das despesas processuais, inclusive honorários sucumbenciais.
Na oportunidade, juntaram a documentação acostada às fls. 103/140.
Consta nas fls. 148/169, deste caderno processual petitório da lavra do Estado do Piauí, local em que alegou:
a) Incompetência absoluta deste juízo;
b) Carência de ação por falta de interesse processual;
c) Violação ao Princípio da Separação de Poderes;
d) Necessidade de previsão orçamentária;
e) Limites ao dever de prestar assistência: “A reserva do possível”; e
f) Impossibilidade de concessão de antecipação de tutela por ausência dos requisitos ensejadores;
Encerrou seu articulado, efetivamente, pugnando por:
a) O acolhimento da preliminar de incompetência absoluta do juízo;
b) A extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de interesse processual, na dimensão necessidade e/ou utilidade, em face da perda superveninente do objeto da ação;
c) A total improcedência da ação, caso todas as preliminares sejam superadas; e
d) Qualquer que seja o resultado da demanda pugna pela completa análise dos fundamentos da defesa para fins de prequestionamento obrigatório e futura interposição dos recursos cabíveis.
São os fatos processuais que, por ora, mais têm relevo.
Na peça de ingresso o autor, de maneira analítica e sistematizada, já enfrentou, antecipadamente, as evasivas teses levantadas pelo Município e pelo Estado em suas peças de defesa. Acontece que, em razão de argumentos elencados nas peças contestativas, cabe ao órgão do Ministério Público fazer algumas observações acerca de questões pontuais existentes nas ditas constestações, e reforçar as teses inseridas na inicial, trazendo argumentos jurídicos relevantes para solucionar esta demanda e, consequentemente, demonstrar que a “tese majoritária” é a que tem o melhor suporte do direito e por isso deve ser acolhida por este órgão jurisdicional.
I - DAS QUESTÕES PRELIMINARES:
INTERPRETAÇÃO ADEQUADA DO ART. 16, DA LEI Nº. 7.347/85, E DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10. DO INTERESSE DE AGIR.
Na peça contestatória do Estado, assentou-se que este juízo é incompetente para julgar esta demanda, já que a ação versa sobre tutela coletiva e, por isso, o julgamento cabe a um orgão cuja jurisdição se estenda por todo o “ Território do Estado do Piauí”. Ora, essa alegação não tem sustentação lógica nem jurídica. Isto porque se assim fosse, toda ação coletiva teria que ser proposta somente nos Tribunais de Justiça, uma vez que apenas este orgão jurisdicional possui competência em todo o “ Território Estadual”, o que não condiz com a verdade jurídica e com a legislação processual pátria.
Antes de adentrar na interpretação jurídica correta do art. 16, da Lei Nº. 7.347/1985, cumpre, primeiramente, escrevê-lo na sua redação integral:
“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
A expressão “erga omnes” quer dizer que os efeitos da decisão se projetam para além das partes no tocante a coisa julgada, tão somente. Isso significa que, salvo as ressalvas inseridas no próprio dispositivo, não cabe outra ação com idêntico fundamento. Este é o verdadeiro sentido e o singular alcande da norma jurídica sobredita. Assim sendo, asseverar que este juízo é incompetente alegando outras questões fáticas e jurídicas, as quais não versam sobre coisa julgada, data vênia, é colocar as idéias no lugar errado. Ademais, competência territorial é sempre relativa, desta feita, colocá-la como absoluta vulnera as regras de competência desenhada pelo Estatuto Processual Civil.
Vê-se, portanto, que este juízo é competente, bem como restou comprovado que se trata de uma ação legítima que tem apoio da sociedade civil e da comunidade política da Região Norte. A Carta Constitucional de 1988, necessariamente adota o controle de constitucionalidade misto (ou combinado), exercido nos moldes difuso (sistema norte americano) e concentrado (sistema europeu).
No controle difuso, só se exige a aplicação da reserva de plenário (art. 97, da CF/88), quando se tratar de controle exercido por tribunais, daí a Súmula Vinculante N° 10, pautar somente a atuação de órgãos colegiados. No caso em crivo, é possível afastar os efeitos do dispositivo por órgão jurisdicional monocrático, já que, no sistema norte americano importado pelo Brasil, qualquer juiz pode exercer o controle de constitucionalidade.
Assim, ao contrário do que afirma o contestante, é possível, sim, declarar a inconstitucionalidade do dispositivo no caso concreto.
Verifica-se no caso em tela, claramente, o interesse de agir, sendo incabível a alegação de carência da ação por falta de interesse processual por parte do Ministério Público. Mister citar a lição do Professor Alexandre Câmara, senão vejamos:
“Pode-se definir o interesse de agir como a utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante (…) o interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio: necessidade da tutela jurisdicional e adequação do provimento pleiteado. Fala-se assim em interesse-necessidade e interesse-adequação.” (Lições de Direito Processual Civil, Vol I, 6ª edição, páginas 110, 111).
Assim, resta plenamente configurado o interesse de agir do Ministério Público, pois tanto a demanda é necessária como a via processual é a adequada, portanto, não há que se falar em extinção do processo sem julgamento do mérito, devendo ser rejeitada esta preliminar, e julgado procedente o pedido autoral.
Por esses motivos, se mostram descabidas as alegações do Estado no tocante à incompetência do juízo, bem como a carência da ação por interesse processual, onde a a via eleita e o juízo ora escolhido adequam-se plenamente ao que emana a legislação em vigor.
II - DO MÉRITO:
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DO MUNICÍPIO PELA FALTA DE SEGURANÇA PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. NÃO DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR PÚBLICO NO TOCANTE À SEGURANÇA PÚBLICA.
A proteção real da sociedade é atribuição intrinsecamente ligada à própria razão de ser do Estado. E nem poderia ser diferente, posto que se o Estado não se prestasse à garantia da segurança do indivíduo, teríamos um caos social, com o império da lei do mais forte e não haveria ambiente para a vida em sociedade nos moldes atuais. Assim, o Estado não pode se afastar ou se eximir dessa sua obrigação primária de garantir a segurança de todos os que nele se encontrarem.
Nesse sentido, destaque-se que, à luz do que reza o art. 144, da Constituição Federal de 1988 – CF/88, a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Pela definição constitucional já é possível notar que a Segurança Pública destina-se a proteger a própria ordem social e os bens jurídicos mais importantes para o indivíduo, quais sejam, a vida, saúde, incolumidade física, patrimônio, entre outros, daí por que é dever do Estado e direito de todos. Esse entendimento trata-se de uma interpretação integrativa de todo o texto Constitucional.
Assim, é que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos da República Federativa do Brasil, que tem como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos.
A Constituição, nesse sentido, garante a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, tais inviolabiblidades são garantidas através de políticas públicas. Na realidade, a segurança pública compreende todo um conjunto de ações, tanto na esfera política, quanto na administrativa, judicial e legal. Contudo, é através do “Poder de Polícia do Estado” que se concretizam de maneira mais eficiente às ações de segurança pública. Dessa forma, é notório e cristalino que a judicialização das políticas públicas é benéfica na concretização dos direitos fundamentais.
Via de regra, as diversas Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas do Municípios trazem em seu bojo normas de eficácia plena e imediata que atribuem ao Estado e ao órgão central do Sistema de Segurança Pública a organização e coordenação, com a finalidade de garantir a eficiência dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Portanto, a disponibilização de meios eficientes para garantia da segurança pública não é mera atividade discricionária do Estado, mas trata-se de atividade plenamente vinculada à determinação Constitucional, não prosperando assim, as alegações por parte do Município de Parnaíba, quanto a livre atuação e discricionariedade do gestor público.
Observa-se que, em face do previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, que institui o princípio da inafastabilidade do judiciário, uma vez que ameaçado constantemente e já deveras lesionado, o direito coletivo à segurança pública, pela omissão do Estado, em oferecer condições mínimas para desenvolvimento da atividade policial, é plenamente cabível o acionamento do Judiciário para reparar os danos causados aos cidadãos.
Foi a jurisprudência francesa, a partir do caso "Blanco", de 1873, que encetou a elaboração de teorias sobre a responsabilidade do Estado sob o prisma do direito público, originando, assim, a chamada teoria da culpa do serviço.
Na feliz síntese de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Direito Administrativo, Atlas, 12 ed., p. 504:
“Essa culpa do serviço público ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação de culpa do funcionário”.
Nesse sentido, tem ampla aplicação no direito pátrio a teoria da faute du service, vale dizer, o Estado responderá se ficar caracterizada sua inércia, omissão ou falha na prestação de serviço público essencial, como é o caso da segurança pública que deveria ser garantida.
O Supremo Tribunal Federal, ainda no ano de 1968, em julgado relatado pelo Ministro Temístocles Cavalcanti, assentou: “A administração pública responde civilmente pela inércia em atender a uma situação que exigia a sua presença para evitar a ocorrência danosa. (RDA 97/177)”.
No mesmo diapasão, a lição de Rui Stoco, em sua obra Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, Revista dos Tribunais, 1994, pg. 270, verbis: “Por ela não se indaga da culpa do agente administrativo, mas apenas da falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro”. Mencionado autor aponta como exemplo de jurisprudência sobre a responsabilidade do Estado decorrente de omissão do poder público, dentre outros, os seguintes julgados:

“Quando provada a culpa por omissão ou falta de diligências das autoridades policias, o Estado responde civilmente pelos danos decorrentes de depredações praticadas pela multidão enfurecida (STF – 1ª T - RE – Rel Barros Barreto- j. 11.10.1951 – RT 225/581)
Quando a administração pública se abstém de praticar atos ou de tomar providências que a lei lhe impõe e de sua inércia resulta dano, a culpa se configura e sua consequente reparação surge como imperativo indeclinável de justiça. Não se concebe a existência de Estado que não tenha como função precípua a tutela jurídica, isto é, a garantia da ordem. (TJMG – 2ªC - Ap – Rel Gonçalves da Silva - j. 24.3.1955 – RF 165/243)”.

Por outro prisma, não se deve olvidar que a Carta Magna, em seu art. 37, § 6º, adotou a teoria da responsabilidade objetiva da Administração Pública (pessoas jurídicas de direito público), bem como, das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços, desde que haja o nexo causal, ou seja, que haja um dano causado a terceiros em decorrência da prestação de serviços públicos de maneira defeituosa.
Demonstrada a viabilidade da tese acima apresentada, resta acrescentar que deve recorrer ao judiciário, para obter a reparação dos danos que porventura tiver sofrido, todo cidadão que efetivamente tiver sido lesionado pela falta de presença física do poder público na repressão aos crimes, bem como, na atuação da polícia judiciária após o cometimento do delito, e cujos prejuízos poderiam ter sido evitados ou minorados com a presença e atuação da força pública no momento oportuno, segundo os critérios de razoabilidade. Utopicamente, talvez assim, tendo que indenizar os cidadãos que forem prejudicados pela sua inoperância, o Estado, através de seus agentes, se conscientize da importância de não se medir esforços no sentido de aprimorar a segurança pública, em todo o território nacional.
Por fim, imperioso registrar que a pretensão deduzida não ofende nem o princípio da separação dos poderes, nem as normas constitucionais que dispõem acerca de finanças públicas, porque, primeiro, constitui função judicial típica o controle dos atos administrativos relacionados a direitos fundamentais; e, segundo, porque a adoção da medida pleiteada se reduz, ao final, em hipótese de colisão de princípios (finanças públicas x vida/segurança), os quais não se aplicam pelo método da subsunção – próprio das regras –, e sim da ponderação, onde se exigindo a compatibilização entre as normas em conflitos, de modo a se obter a máxima otimização de ambos.
A alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de garantia dos direitos sociais, elencandos no art. 6º, da Carta Magna, no qual inclui o direito à segurança, senão vejamos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
A escolha de políticas públicas é atribuição do Poder Executivo, por meio de um juízo de conveniência e oportunidade, que leva em conta as necessidades prioritárias da população e os recursos orçamentários. Tal escolha, porém, não viola a separação dos poderes a interferência do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas que visam a efetivar direitos fundamentais, primeiro, porque o judiciário, entre suas atribuições constitucionais, tem o dever de proteger os direitos fundamentais tanto no aspecto negativo (não violação) quanto no aspecto positivo (efetiva prestação); e, segundo, porque cada poder (função) do Estado tem a atribuição de controlar uns aos outros, conforme o princípio da harmonização dos poderes (art. 2º, CF) e a teoria dos freios e contrapesos.
Por fim, porque é entendimento pacífico no STF, que o judiciário tem legitimidade para controlar e intervir nas políticas públicas que visem a garantir o mínimo existencial, senão vejamos:
ADPF 45/DF : "Ementa: arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Carácter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da 'reserva do possível'. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do 'mínimo existencial'. Viabilidade instrumental da argüição de Descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)”.
III – DOS PEDIDOS:
Por todo o exposto, somado ao quanto fora deduzido na exordial, este representante ministerial requer o indeferimento de todos os pedidos formulados nas contestações em análise, ao passo em que reitera, em sua integralidade, a pretensão deduzida na inicial.
Requer, outrossim, a designação de audiência de instrução e julgamento.

É o posicionamento, s.m.j.
Parnaíba (PI), 30 de abril de 2013.


ANTENOR FILGUEIRAS LÔBO NETO
Promotor de Justiça da 1ª Promotoria

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