AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDOS LIMINARES E PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
AUTOR:
A COLETIVIDADE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOVIDOS:
O ESTADO DO PIAUÍ E O MUNICÍPIO DE PARNAÍBA
OBJETO:
CRIAÇÃO DO IML DE PARNAÍBA
SUMÁRIO
I – DOS FATOS:
INSTITUTO MÉDICO LEGAL
II – DO DIREITO:
DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
PRINCÍPIO DO CONTROLE JUDICIAL
DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL
DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DA NECESSIDADE DE ORDEM LIMINAR
PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS
III – DOS PEDIDOS FINAIS:
COM PROVIDÊNCIAS LIMINARES E DE MÉRITO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CIVIL DA COMARCA DE PARNAÍBA, ESTADO DO PIAUÍ.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, por intermédio do Promotor de Justiça adiante subscrito, na qualidade de Titular da 1ª Promotoria de Justiça Civil dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Parnaíba-PI, com sede na Avenida Governador Chagas Rodrigues, Nº 811, Bairro Centro, nesta cidade, com telefone (86) 3321.3020, onde, na forma do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, recebe intimações, vêm, em razão dos fatos a seguir expostos e com âncora no artigo 3º, inciso I, no artigo 5º, inciso XXXII, no artigo 129, incisos III, VI e IX, e no artigo 170, inciso V, todos da Constituição Federal; no artigo 143, incisos II, III, V e VIII, da Constituição do Estado do Piauí; nos artigos 1º, 2º, 3º, 6º, incisos I, VI, VIII, no artigo 39, inciso VIII, no artigo 51, inciso XV, no artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III, no artigo 82, inciso I, e seguintes aplicáveis da Lei Federal Nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, e no artigo 796 e seguintes aplicáveis do Código de Processo Civil, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDOS LIMINARES e PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER em face do:
ESTADO DO PIAUÍ, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Procurador-Geral do Estado (artigo 12, inciso I, do C.P.C.), que pode ser citado no Palácio do Karnak, sede oficial do Poder Executivo Estadual, localizado na Avenida Antonino Freire, Nº 1450, Bairro Centro, CEP 64.001-040, em Teresina – PI,
MUNICÍPIO DE PARNAÍBA, pessoa jurídica de direito público interno, cujo representante legal, o Prefeito Municipal (artigo 12, inciso II, do C.P.C.), pode ser citado no Paço Municipal, sede oficial do Poder Executivo Municipal, localizado na Rua Itaúna, Nº 1434, Bairro Pindorama, CEP 64.215-320, nesta cidade, pelas razões de fáticas e de direito que passa a assoalhar:
DOS FATOS
Como breve relato, é importante destacar a importância espontânea do município de Parnaíba no âmbito do Estado do Piauí, na Região Nordeste, no Brasil e também no Mundo, inclusive nos países da Europa e Estados Unidos. Atualmente possui uma população de quase 150 mil habitantes, portanto é o segundo mais populoso do Estado, restando ultrapassar apenas a capital Teresina, que possui uma população em torno de 820 mil habitantes. Esse verdadeiro “Paraíso Perdido do Turismo” é o destaque maior entre os 04 (quatro) municípios litorâneos do Estado do Piauí, vez que além dele temos os municípios de Ilha Grande, de Luís Correia e de Cajueiro da Praia, que embora independentes tecnicamente do município de Parnaíba, ficam a mercê dos principais serviços e setores básicos como saúde e educação.
Nesse mesmo sentido, sem falar ainda nas belezas naturais, Parnaíba proporciona uma grande importância histórica para o Piauí, revelando particularmente nas adjacências do “Porto das Barcas” inumeráveis imóveis de valor histórico-cultural que exprimem a real importância de Parnaíba, atingindo o status, no início da colonização inclusive, de ser avaliado bem mais importante do que a primeira capital do Estado, no caso, o município de Oeiras e trazendo até esta data alusão na Europa.
No contexto globalizado e com a valorização do excursionismo regional, Parnaíba vem ocupando seu lugar de destaque como pólo turístico e nomeadamente como base de apoio de alto nível, para quem ambiciona desbravar o Litoral do Piauí que tem 66 km de extensão com praias ensolaradas e extremamente limpas, plenamente cercadas de pequenas lagoas de água doce e dunas de areia alvejante, a Lagoa do Portinho onde suas águas escuras e o vento forte contrastam com o movimento perene das areias brancas e a vegetação nativa, o Delta do Parnaíba sendo o único das Américas e um dos únicos do mundo em mar aberto – só existem mais 02 (dois) no mundo, o Delta do Rio Mecong, localizado no Vietnã, na Ásia e o Delta do Rio Nilo, localizado no Egito, na África - o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses que é um ecossistema costeiro único dentro do bioma caatinga, que associa ventos fortes e chuvas regulares, o Parque Nacional de Sete Cidades com suas formações rochosas de diversos tamanhos e contornos, e por fim, um pouco mais distante, o Parque Nacional da Serra da Capivara que é um Patrimônio Natural da Humanidade.
Essa vocação inata de ser o “Portal do Turismo do Estado do Piauí”, logicamente tem seu preço, pois acarreta ao município inúmeras benfeitorias, mas também diversas obrigações. Isso sem falar no pólo educacional que Parnaíba vem agregando ao seu cotidiano, pois hoje já são 05 (cinco) instituições de ensino de graduação entre públicas (Federal e Estadual) e privadas. E mais de 15 mil estudantes universitários.
A imensidão de oportunidades em vários setores – saliento ainda a abertura eminente do Porto de Luis Correia - e o vindouro estouro populacional que já teve seu início, infelizmente deixaram aflorar para todos, as basilares deficiências do município.
O Ministério Público Estado do Piauí, através da 1ª Promotoria de Justiça Civil, que é responsável pela Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, em meados do mês de dezembro de 2010, efetivamente passou a estudar e a acompanhar com extrema preocupação, a situação da rede de saúde e com o advento em 1º de maio de 2011, da implantação do plano de municipalização da saúde de Parnaíba, restou comprovado que além das necropsias, vários outros exames de corpo de delito e demais perícias como, por exemplo, os exames de lesão corporal, os exames de constatação de embriaguez ou intoxicação por substância de qualquer natureza, os exames de constatação de violência sexual, os exames de sanidade mental, os exames de constatação de idade, os exames de constatação de doença sexualmente transmissível, e todas as demais perícias que interessem à Justiça e que demandem a opinião de especialistas em Medicina Legal, são realizadas em total arrepio ao disposto na legislação pátria.
Em suma, o Estado do Piauí possui apenas um Instituto Médico Legal, localizado na capital, Teresina, sem a condição mínima de atender sequer a demanda da dita capital.
Tamanha aberração por parte das autoridades competentes e das políticas públicas, desconhece a importância do Instituto Médico Legal, mais notório pelo seu acrograma I.M.L., no meio policial.
Instituto Médico Legal
Esse instituto brasileiro é responsável pelas necropsias e pelos laudos cadavéricos para as Polícias Científicas de um determinado Estado da Federação, na área específica de Medicina Legal. É ainda, um órgão público subordinado à Secretaria de Estado da Segurança Pública. E mais, é conhecido também em alguns outros Estados pela nomenclatura de Departamento Médico Legal, ou pelo acrograma D.M.L., por ser, este órgão, vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública através da Superintendência de Polícia Técnica Científica.
Na verdade, as atribuições são idênticas. A Polícia Científica, dando título a persecução penal, é especializada em produzir a Prova Técnica ou a Prova Pericial, por meio da análise científica de vestígios produzidos e deixados durante a prática de crimes não transeuntes. Ela também ostenta as normas, as ações conjuntas e implementa as políticas de atendimento à população.
É cediço que faz da competência das Polícias Científicas, essencialmente, a realização das perícias médico-legais e criminalísticas; os serviços de identificação; o desenvolvimento de estudos e pesquisas em sua área de atuação.
É sabido também, que antes da criação das Polícias Científicas, com data variando de Estado para Estado da Federação, as perícias criminais ficavam à cargo das Polícias Civis, razão pela qual determinados Estados da Federação ainda possuem seus Departamentos Técnico-Científicos vinculados às suas respectivas Polícias Judiciárias.
O Ministério Público do Piauí, em meados de janeiro do corrente ano, instaurou procedimento investigatório preliminar com o intuito de averiguar a realidade das instalações e o modo de exercício das atividades funerárias do HEDA – Hospital Estadual Dirceu Arcoverde, que desenvolve as funções do utópico IML de Parnaíba, no sentido de esclarecer se tais funções reuniam as condições de segurança e higiene para preservar a vida e a saúde, tanto do público em geral (interno e externo) como de seus trabalhadores (médicos, enfermeiros, radiologistas, etc.), e restou evidente que existiam irregularidades em todos os setores investigados e que necessitavam de correção com urgência.
Diante destas informações, o Ministério Público realizou audiências com a Diretoria do HEDA e, ato contínuo, expediu notificações no sentido de adequar, as empresas funerárias às exigências da Vigilância Sanitária, do Corpo de Bombeiros e do Ministério do Trabalho. Tudo isso, só fez aclarar a certeza da necessidade urgente da criação das instalações de um real IML no norte do Estado do Piauí. De plano, esclarece-se que o prédio em questão pertence ao Estado e é administrado pelo Município, mas é utilizado um determinado setor nas funções de Instituto Médico Legal, órgão ligado a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado do Piauí, donde sobressai a responsabilidade destas pessoas jurídicas em dotá-lo de infra-estrutura necessária para o seu regular funcionamento.
O Ministério Público do Piauí, por meio desta Promotoria de Justiça, em razão da caótica situação encontrada e visando zelar pela segurança e saúde dos usuários frequentes e dos trabalhadores daquele local, já referidos, advertiu e notificou, em diversas oportunidades, as autoridades públicas responsáveis por ele, instigando-as a sanarem as irregularidades sanitárias e de segurança visíveis e averiguadas no local, entretanto não teve suas alegações levadas em consideração, isso pela própria estrutura gestora das políticas públicas do Estado do Piauí e do Município de Parnaíba. Foi designada audiência, onde compareceram o Diretor do HEDA, que faz as vezes do IML local, o Procurador Jurídico do Município, e o Secretário Municipal de Desenvolvimento e Planejamento Urbano, os quais lembraram de forma enfática a impossibilidade de qualquer mudança plausível do sistema atual e de executarem a construção necessária das instalações do vindouro IML do município de Parnaíba e região.
É válido salientar que durante o encontro todos se comprometeram a empregar dedicadamente zelo junto à cúpula da Secretária de Estado da Segurança Pública no sentido da obtenção de melhorias, com autorização prévia das autoridades legais, para a total adequação das instalações precárias do pseudo-necrosário do HEDA. Apesar disso, tendo decorrido meses, fora os anos pretéritos de descaso, e o total conhecimento do Secretário de Estado da Segurança Pública da situação vexatória, constatou-se que perduram as sérias e graves irregularidades de ordem sanitária, de segurança e estrutural do local reservado aos corpos já sem vida, o que indica o comprometimento da ética, da saúde, da educação, da moral e da legalidade de todas as pessoas que participam no pólo ativo ou no pólo passivo desse “sistema funesto de perícias utópicas”.
A história da humanidade mostra que através da “Anatomia Humana”, vista no curso de direito, na disciplina de medicina legal e também com mais profundidade, em diversas disciplinas, no curso de medicina, é a ciência que estuda as estruturas do corpo humano e há séculos vem utilizando o cadáver humano como material de ensino, para aprimoramento, sobretudo da certeza da “causa mortis” e da cura de doenças, o que levou a sociedade a diversas indagações nos campos social, jurídico, ético, filosófico, moral, religioso e médico. Tal veracidade, do ponto de vista da bioética, ensina que os cadáveres devem ser vistos como "res-humana" e não objetos quaisquer de uso inapropriado, onde o desleixo público impõe a qualidade de imundície, em primeira análise pelo significado afetivo da memória de um ser humano, principalmente para os indivíduos que com ele estabeleceram vínculos emocionais e em segunda análise pela garantia da cidadania, tão deflagrada por juristas e políticos.
O relatório de inspeção do Corpo de Bombeiro, Grupamento de Parnaíba (fls. 131 “usque” 143) constatou as seguintes irregularidades:
1. MEMORIAL DESCRITIVO DA VISTORIA:
A) O estabelecimento não possui sistema preventivo contra incêndios, necessitando no mínimo de 01 (um) extintor do PQS – 4kg e 01 (um) extintor de Água Pressurizada – 10 litros, interior de edificação;
B) Existe um botijão de GLP – 13kg, no interior da edificação, próximo a sala de aulas, sendo necessário a adequação de abrigo e local adequado para utilização do GLP? (RESPOSTA: AUSENTE);
C) A escada de acesso ao pavimento superior necessita de corrimão em ambos os lados e piso antiderrapante? (RESPOSTA: AUSENTE);
D) Existem infiltrações nas paredes e na laje superior;
E) As vidraças da sala de necropsia estão quebradas, sendo verificado que o local está sujeito a ação de intempéries das chuvas e sol? (RESPOSTA: AUSENTE);
F) A fossa asséptica está localizada próximo a edificação, não sendo informado se existe controle dos resíduos e o local não está sinalizado? (RESPOSTA: AUSENTE);
G) Os banheiros possuem vedação adequada? (RESPOSTA: AUSENTE);
H) Os equipamentos de proteção individual utilizados pelos funcionários do local estão armazenados incorretamente? (RESPOSTA: AUSENTE);
I) A área externa do estabelecimento possui um gramado que está muito alto sendo favorável a existência de insetos;
J) O acesso de veículos ao local é feito em terreno de solo bruto;
L) A parede externa da edificação está necessitando de pintura;
2. CONDIÇÕES DE SEGURANÇA:
A) Os equipamentos existentes na “sala de necropsia” estão enferrujados e apresentam péssimo estado de conservação para os trabalhos, conforme (fotos de fls. 53 “usque” 82);
B) O local aparentemente não possui 02 (dois) funcionários que diuturnamente deveriam permanecer de plantão, ficando o lugar desprovido de segurança para eventualmente cuidar dos pertences existentes no interior da edificação;
C) O local destinado a “assepsia dos equipamentos e materiais reutilizados” utilizados na necropsia está inadequado;
3. CONCLUSÃO:
O local não oferece condições de funcionamento, além de péssimo estado de conservação, demonstrando abandono do estabelecimento, “prejudicando o público que necessita dos serviços prestados por aquele órgão”, sendo necessárias medidas para adequar as instalações, prover equipamentos adequados, dispondo de pessoal para conservação, manutenção e segurança das instalações (fls. 141).
A Vigilância Sanitária do Município de Parnaíba, por sua vez, constatou as seguintes irregularidades (fls. 83 “uque” 92):
1. EDIFÍCIO VISTORIADO:
A) O “estabelecimento inspecionado possui edificação em alvenaria”, em péssimo estado de conservação. As condições de atendimento, em razão do prédio disponível para o serviço prestado, são inadequadas.
B) No local são proporcionados os serviços de exame de necropsia, exame cadavérico, exames de corpo de delito, perícia médica, serviço de verificação de óbitos, setor administrativo e transporte.
2. EQUIPE OPERACIONAL:
A) O seu quadro funcional conta com 03 (três) médicos, nenhum auxiliar de necropsia e nenhum auxiliar administrativo. Os serviços são executados por funcionários das 02 (duas) Funerárias de Parnaíba, que prestam serviço terceirizado ao suposto IML, quando coletam os cadáveres humanos.
B) Desde o início de seus trabalhos funestos o estabelecimento não dispõe de funcionários para execução de serviços de limpeza.
C) Na atual inspeção detectou-se que as irregularidades encontradas nas inspeções anteriores continuam pendentes.
3. OUTRAS ABERRAÇÕES OBSERVADAS:
Estrutura Física em Geral:
A) Ausência de projeto arquitetônico aprovado pela Vigilância Sanitária.
B) Ausência de projeto de sistema de tratamento de águas residuais (esgoto).
C) Estrutura física precária apresentando:
D) Paredes manchadas, azulejos quebrados e manchados;
E) Infiltrações;
F) Pisos quebrados, descolados, com falhas em algumas salas, piso escorregadio na sala de necropsia;
G) Ventilação inadequada;
H) Janelas com vidros quebrados, enferrujados que não permitem abertura ou fechamento? (RESPOSTA: AUSENTE);
I) Fiação elétrica exposta em caixa de passagem.
J) Ausência de vestiário com banheiro e chuveiro para funcionários (masculino e feminino) e sanitários para público.
K) Local inadequado para preparo de refeições e café (adaptado a um antigo banheiro).
L) Ausência de abrigo intermediário para resíduos sólidos.
M) Ausência de corrimão para escada de acesso ao setor administrativo.
N) Ausência de cuba no lavatório do banheiro dos usuários.
O) Ausência de lavanderia.
Sala de Exames Clínicos:
A) Ausência de sabonete líquido e toalha descartável no banheiro.
B) Presença de lixeira com acionamento e pedal, enferrujada não permitindo seu fechamento.
C) Ausência de saco branco leitoso identificado como substância infectante.
D) Ausência de colchonete e lençóis para mesa de exames.
E) Presença de algodão embebido em álcool.
F) Presença de móveis sujos e enferrujados.
G) Ausência de foto auxiliar para exames.
H) Ausência de avental para pacientes.
Sala de Necropsia:
A) Ausência de sistema de exaustão.
B) Ausência de sabonete líquido e toalha descartável no lavatório, para lavagem das mãos.
C) Ausência da lixeira com acionamento a pedal, para o descarte dos resíduos infectantes (sangue e secreções) e saco branco leitoso identificado como substância infectante, atualmente improvisado em caixa de papelão e latão enferrujado.
D) Ausência de recipiente rígido e identificado para o descarte de materiais pérfuro-cortantes.
E) Presença de roupa suja e instrumentais (sangue e secreções) dentro da pia.
F) Ausência de equipamentos adequados para limpeza de piso (carrinhos, vassouras e rodos).
G) Presença de móveis sujos e enferrujados.
H) Ausência de procedimentos e equipamentos para desinfecção e esterilização de materiais e instrumentais (estufa ou autoclave).
I) Ausência de procedimentos e produtos de limpeza e desinfecção de pisos e bancadas.
J) Presença de materiais em desuso no setor.
K) Ausência de pia exclusiva para lavagem dos materiais e instrumentais.
L) Ausência de equipamentos completos de “proteção individual” e em quantidade suficiente para o quadro funcional.
Corredor de Acesso:
A) Ambiente desorganizado com presença de materiais em desuso.
B) Falta de controle com profissionais da área de saúde e público em geral.
Sala de Putrefeitos:
A) Ausência de sistema de exaustão.
B) Ausência de sabonete líquido e toalha descartável no banheiro.
C) Presença de grande quantidade de materiais (ossadas), armazenados em sacos plásticos exalando mau cheiro.
Almoxarifado:
A) Presença de abrigo para animal doméstico (gato), sendo alimentado no setor.
B) Possibilidade de acesso de cachorros, gatos, morcegos e ratos a sala de necropsia.
C) Falta evidente de controle do material hospitalar.
4. LEGISLAÇÃO:
B) Legislação Estadual - artigo 45, da Lei Complementar Nº 28 de 09 de junho de 2003.
C) Legislação Municipal - artigo 14, Lei Orgânica do Município de Parnaíba Nº. 2.296, de 05 de janeiro de 2007.
5. CONCLUSÃO:
Ao final do levantamento, restou a ilação plena que o estabelecimento encontra-se em condições precárias de estrutura física, número de funcionários, materiais e equipamentos. “O responsável legal do estabelecimento deverá sanar as irregularidades acima descritas, a fim de atender a legislação sanitária vigente.” (fls. 92).
Como visto, examinando o local, o Corpo de Bombeiro concluiu que ele “não oferece condições de funcionamento, além de péssimo estado de conservação, demonstrando abandono do estabelecimento, prejudicando o público que necessita dos serviços prestados por aquele órgão, sendo necessárias medidas para adequar as instalações, prover equipamentos adequados, dispondo de pessoal para conservação, manutenção e segurança das instalações.” (fls. 141).
A Vigilância Sanitária também concluiu “que o estabelecimento encontra-se em condições precárias de estrutura física, número de funcionários, materiais e equipamentos.” (fls. 92).
As 02 (duas) funerárias que prestam serviço em Parnaíba e região norte, no caso, a “PAX UNIÃO” (fls. 124/127) e a “PAZ ETERNA” (fls. 130), informam cristalinamente “que os corpos são coletados após várias horas e muitas vezes até alguns dias, em razão da espera pela liberação do cadáver humano”.
O Gerente Regional do Trabalho e Emprego em Parnaíba (fls. 110 “usque” 114), contatou “que a precariedade das instalações é evidente e opinou pelo saneamento das irregularidades encontradas”.
O Procurador Geral do Município (fls. 144), afirmou “que as instalações são totalmente inapropriadas para realização de todo e qualquer exame pericial”. No mesmo sentido, o Delegado Regional de Polícia Civil (fls. 145), afirmou “que os laudos periciais prejudicam o trabalho investigativo da autoridade policial pela sua precariedade”.
Em presença do que se aquilatou acima, conclui-se que o serviço prestado pelo HEDA, no impróprio papel de IML não preenche os padrões legais, e está sendo prestado com desrespeito ao requisito de segurança, moral, higiene, justiça, saúde, além de inadequado às características de qualidade exigidas pela cidadania.
É fácil verificar cristalinamente, da lavra destes relatórios de vistorias, sem a proeza de um ânimo elevado de interpretação, que as instalações que servem a título precário do quimérico “Instituto Médico Legal de Parnaíba”, na veracidade, não apresentam condições de higiene mínimas de trabalho. As “aberrações operacionais” estão presentes em todos os níveis, e elas colocam em risco a saúde das pessoas que necessitam destes serviços e dos que lá trabalham.
No “mar de lama constatado”, merece destaque, para ressaltar o descaso dos gestores públicos com as péssimas condições daquelas instalações, as seguintes irregularidades:
A) ausência de projeto de sistema de tratamento de águas residuais (esgoto), piso escorregadio na sala de necropsia;
B) ausência de recipiente rígido e identificado para o descarte de materiais pérfuro-cortantes, presença de roupas sujas e instrumentais (sangue e secreções) dentro da pia, presença de móveis sujos e enferrujados;
C) ausência de procedimentos e equipamentos para desinfecção e esterilização de materiais e instrumentais (estufa ou autoclave), ausência de pia exclusiva para lavagem dos materiais e instrumentais;
D) fiação elétrica exposta em caixa de passagem, ausência de vestiário com banheiro e chuveiro para funcionários (masculino e feminino) e sanitários para público;
E) local inadequado para preparo de refeições e café (adaptado a um antigo banheiro);
F) ausência de abrigo intermediário para resíduos sólidos;
G) ausência no estabelecimento de obrigatório sistema preventivo contra incêndios.
No sentido de auxiliar Vossa Excelência, na busca da verdade real, do “inexplicável absurdo nefasto que a sociedade local atravessa”, sem guarida no campo dos direitos fundamentais, ou seja, o mínimo existencial , falta até mesmo saco branco leitoso para identificar as substâncias infectantes. Além disto, o estabelecimento não possui regra preventiva básica contra incêndios, necessitando no mínimo de 01 (um) extintor do PQS – 4kg e 01 (um) extintor de Água Pressurizada – 10 litros, no interior de edificação; a fossa asséptica, inexistente, deveria está localizada próximo a edificação, não sendo informado se existe controle dos resíduos e o local não está sinalizado; os equipamentos existentes na sala de necropsia estão enferrujados e apresentam mau estado de conservação para os trabalhos, e mais, o local destinado a assepsia dos equipamentos e materiais utilizados na necropsia está inadequado.
Por serem as condições sanitárias do local em crivo extremamente precárias, simplificada se torna a conclusão que a exposição direta e indireta de infecção é bem mais real/apropriada do que irreal/circunstancial. O que é, no mínimo, intolerável, portanto não há como permitir que o HEDA continue em funcionamento na qualidade de quimérico IML, isto porque evidentemente, põe em risco diário a vida e a saúde de um grande número de pessoas tidas como usuários e servidores.
A abantesma do vindouro IML deve fazer parte dos “direitos emergenciais da região norte do Estado do Piauí”, vez que é imperiosa sua criação, como local onde serão realizados serviços de necropsias, exames cadavéricos, exames de corpo de delito, perícias médicas, serviço de verificação de óbito, entre outros já revelados anteriormente nesta peça.
No futuro local do IML ora pleiteado, tanto serão examinados cadáveres que podem ter ido a óbito em decorrência de moléstias infecto-contagiosas, como pessoas vivas que lá irão para se submeter às perícias médicas. É forçoso, então, garantir-se a segurança, a saúde e a integridade das pessoas que se utilizarão dos serviços prestados pelo IML e também daqueles que lá trabalharão em prol da sociedade e da justiça.
Na atualidade, a continuação da prática dos exames no HEDA, na forma como ele se encontra, importa em grave violação aos interesses constitucionais da coletividade, as instituições em geral e as gerações futuras que hoje já são privadas dos ritos legais de seus mortos.
Segundo o relatório da Vigilância Sanitária não há sequer projeto arquitetônico aprovado para o local dos cadáveres humanos. Como visto, os elementos de prova (inclusive o depoimento do Diretor do HEDA) juntados no procedimento investigatório demonstram que o “FANTASIOSO IML” não se encontra em condições de receber a comunidade (para exames), nem funcionários com a indispensável segurança, havendo perigo de contaminações de graves proporções.
O certo é que não existe abonação alguma com relação às reais condições de uso e segurança do local, e existe sim, risco para a vida e a saúde dos freqüentadores e pessoas que ali trabalham, então, tais fatos estão a recomendar a imediata criação do Instituto Médico Legal de Parnaíba, e até lá, a adequação mínima às vigentes normas de segurança e higiene do HEDA.
O desinteresse demonstrado pelos gestores estaduais e municipais, ao longo dos anos, permite entrever que o intuito sempre foi de se furtar às suas responsabilidades e de adotarem as medidas destinadas à garantia da segurança dos usuários e funcionários do HEDA. A acintosa desídia secular dos homens públicos, certamente inviabilizou uma solução extrajudicial da questão, então Monocrático Julgador, não restou alternativa outra senão intentar a vindicação pontual do Poder Judiciário a mais eficiente medida destinada a assegurar os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: a interdição do HEDA nas funções de IML e a criação imediata do Instituto Médico Legal de Parnaíba.
Consoante se verifica, as razões acima expendidas são o bastante para demonstrar o quão é imperioso determinar a proibição perpétua das funções anômalas do HEDA e de se implantar “in continenti tempore” o IML nesta cidade. Ademais, os argumentos são muitos e produzem certezas que se cumulam.
DO DIREITO
É sabido por todos que são direitos fundamentais e sociais do cidadão, especialmente inscritos na Carta Magna, a inviolabilidade à vida e segurança, bem como à saúde e ao lazer, que deverão ser protegidos contra todas as formas de perigo, principalmente pelo Poder Público.
Em seu artigo 175, parágrafo único, e artigo 37, § 3o, a Carta Cidadã dispõe expressamente que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos. Por este comando legal, compete à Administração Pública oferecer utilidade aos seus administrados, ou seja, prestar serviços à coletividade, fazendo-o de forma centralizada, descentralizada ou desconcentrada.
O artigo 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – C.D.C., complementa este comando, dispondo como se dará esta prestação de serviços, ao assegurar que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".
Em reforço a este dispositivo, o artigo 6º, do mesmo Diploma, estabelece como direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Reforçando ainda mais as disposições do artigo 22, do C.D.C., o artigo 7º, inciso I, da Lei Federal Nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, destaca como direito básico do usuário receber o serviço adequado, sem prejuízo do disposto na Lei Nº 8.078/90.
O conceito de serviço adequado está estampado no artigo 6º, § 1º, da Lei retro citada, no caso, Nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. É a seguinte a dicção do citado dispositivo:
“Parágrafo primeiro. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” * grifei.
Diante do apresentado, observa-se que com a atual conduta, o Estado do Piauí e o Município de Parnaíba estão infringindo as normas para a tutela do consumidor. Com certa evidência, os requeridos vêm descumprindo as obrigações referidas no precitado artigo 22, do C.D.C., pois o local presente (HEDA) onde são prestados os serviços de perícia, necropsias, etc., não é seguro, e muito menos adequado, em virtude da sua inadequação as preceitos legais, e isto está colocando em risco a vida e a saúde da população e dos trabalhadores daquele local, devendo, por conseqüência, serem compelidos, pelo Poder Judiciário, a cumpri-las, conforme autoriza o estatuto consumerista, de forma expressa no parágrafo único, do artigo 22.
“Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas nesse artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista nesse Código.”
Além do Código de Defesa do Consumidor, outros estatutos vêm sendo frontalmente violados pelos requeridos, mercê da conduta ineficiente e omissa. Como se sabe, a saúde é considerada direito fundamental, sendo dever do poder público regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e serviços públicos de saneamento, para preservação e melhoria da qualidade de vida (artigo 196, artigo 197 e artigo 216, § 3º, todos da Constituição Federal), competindo ao Estado adotar política que garanta a redução dos riscos de doenças, de ocorrência previsível diante do fornecimento inadequado de um produto ou serviço à população.
Com a flagrante intenção de se garantir a eficácia desse direito a cada um de nós, a Constituição Federal apontou que as ações e serviços públicos de saúde seriam prestados de forma articulada, cabendo a cada um dos entes federados, inclusive Estados, Municípios e Distrito Federal, uma parcela dessa responsabilidade.
Regulamentando este direito outorgado pela Constituição, a Lei Nº 8.080/90, além de apontar toda a organização e funcionamento do SUS - Sistema Único de Saúde que é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, pois abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país, determinou, até em consonância com o disposto no artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal, que a implantação de todas as ações e serviços relacionados à saúde (incluídas aí as ações de saneamento básico – artigo 6.º, inciso II) dar-se-ia nas 03 (três) esferas administrativas, ou seja, União, Estado e Município (e Distrito Federal). Estipulou também que em âmbito federal, a competência, quanto à regulamentação e execução dos serviços, ficaria a cargo do Ministério da Saúde; na esfera Estadual, a critério da Secretaria de Saúde; e na circunscrição Municipal sob o ônus da Secretaria Municipal de Saúde.
Em obediência a essas normas, agora já especificamente a respeito do objeto desta ação, qual seja a criação em caráter de urgência do Instituto Médico Legal de Parnaíba, o próprio Estado do Piauí fez editar a da Lei Complementar Nº 28, de 09 de junho de 2003 (Lei Orgânica do Estado do Piauí), onde aponta as condições que este e outros serviços da área de saúde devem observar para que sejam autorizados a funcionar em sua plenitude. Foi com base neste e em outros dispositivos legais que a Vigilância Sanitária do Município efetuou a inspeção do HEDA/IML e detectou as dezenas de irregularidades apontadas em seu relatório.
A Lei Complementar Nº 28, de 09 de junho de 2003 e a Lei Orgânica do Município de Parnaíba Nº. 2.296, de 05 de janeiro de 2007, no tocante, restritamente, às irregularidades retratadas pela Vigilância Sanitária nos laudos juntados aos autos, aponta os padrões a serem observados para o funcionamento das instituições ligadas a saúde, mas a realidade é que, ignorando o acondicionamento e gerenciamento dos resíduos sólidos, a higiene das edificações ligadas a saúde e os cuidados específicos para estabelecimentos de preparo de cadáver, o que resta em abundância é o descaso publico com a saúde e segurança. Com base nelas e pela própria natureza das funções, e dada à grande circulação de pessoas no órgão, é fácil perceber que tanto os profissionais quanto os usuários do HEDA/IML, certamente estão expostos a tipos de riscos que lhe são próprios e que sugerem a adoção de um “programa de prevenção e redução de risco” voltado aos conceitos de “Biossegurança”, altamente difundidos em todo Brasil e no Mundo, fato ratificado pelo relatório da Vigilância Sanitária. A verdade, Nobre Julgador, é que falta uma legislação específica, atual e efetiva, tanto ao Estado do Piauí quanto ao Município de Parnaíba, no tocante a criação e manutenção de todo e qualquer Instituto Médico Legal, com base nas normas da Vigilância Sanitária.
Como se vê, o Estado do Piauí, além do C.D.C., também está infringindo vários dispositivos das Leis Orgânicas da Saúde Nº 8.080/90 e Nº 8.142/90. Existe transgressão ainda a Lei Estadual Nº 3.984/84, que dispõe sobre o Sistema de Saúde do Estado do Piauí e aprova a legislação básica sobre “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde”, e ainda, o Código de Saúde do Estado do Piauí, já aprovado pela Assembléia Legislativa (ALEPI), mas que falta ser sancionado pelo atual Governador do Estado, como relata o termo de vistoria de fls. 83 “usque” 92, da Vigilância Sanitária do Município.
E não é só. Ele viola outras normas também. Depreende-se dos relatórios do Corpo de Bombeiro juntados aos autos que o Estado do Piauí não apresentou projeto de prevenção de incêndio como determina a lei. E mais: as dependências do IML não possuem sistema de prevenção contra incêndio e também infringem as normas da ABNT (bombeiro profissional civil, brigada de incêndio, prevenção de incêndio, etc.) e as normas da ANBP (associação nacional de bombeiros profissionais).
E tem mais ainda! Para finalizar, acrescente-se que o Estado do Piauí também está descumprindo determinação constitucional de proteção ao trabalhador, pois ao invés de reduzir os riscos à saúde de seus servidores, está agravando-os ao não cumprir as normas do Código de Saúde que ele mesmo editou e também as normas que regulamentam a segurança no Trabalho.
Sobre esta matéria, o artigo 7º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal, especifica que;
“ São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:
- redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
- adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; ”
Enfocando a questão, e seguindo os ditames da Magna Carta, o Código de Saúde do Estado do Piauí, por sua vez, enfatiza o dever do empregador de dotar o local de trabalho das condições sanitárias, estipulando que:
“ Artigo 34 - A atenção à saúde do trabalhador no setor público e privado, do mercado formal e informal, compreende as ações individuais e coletivas desenvolvidas no âmbito do SUS, abrangendo:
II – a avaliação das fontes de risco à saúde nos locais e processos de trabalho, determinando a adoção das providências para a eliminação ou redução dos riscos; ”
Na seqüência, o artigo 115, do mesmo codex, determina que:
“A avaliação das fontes de risco à saúde nos locais e processos de trabalho, determinando a adoção das providências para a eliminação ou redução dos riscos, compreendem ações desenvolvidas no âmbito da vigilância sanitária, pela autoridade sanitária, em todos os estabelecimentos e locais de trabalho, avaliando, dentre outros:
1) Condições de riscos ambientais nos locais e processos de trabalho;
2) Medidas de prevenção dos riscos de acidentes nos ambientes de trabalho;
3) Condições de conforto e da adaptação do ambiente de trabalho ao trabalhador;
4) O controle médico da saúde ocupacional;
5) A investigação de agravos à saúde do trabalhador.”
E o que seria esta fonte de risco? Segundo a NR 3, norma regulamentadora editada pelo Ministério do Trabalho:
3.1.1. Considera-se grave e iminente risco toda condição ambiental de trabalho que possa causar acidente do trabalho ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador.
Em reforço à NR 3, o Código de Saúde do Estado do Piauí, diz no artigo 117 que:
“Entende-se por riscos ambientais aqueles decorrentes da exposição pelos trabalhadores aos agentes e processos presentes no ambiente de trabalho, que em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição possam causar danos à saúde do trabalhador, classificados em: Risco físico, Risco químico, Risco biológico, Risco ergonômico, Risco bio-psico-social, Risco de acidente, conforme legislação vigente.”
Regulamentando, o princípio constitucional previsto artigo 7º, o Ministério do Trabalhão foi além e nominou através da NR 15, as atividades consideradas perigosas e insalubres, elencando entre elas, as desenvolvidas pelos funcionários técnicos (não os administrativos) do Instituto Médico Legal.
Por sua vez, segundo a NR15.1, editada pelo Ministério do Trabalho, temos que:
“São consideradas atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem: (...)”.
15.1.3 Nas atividades mencionadas nos Anexos n.ºs 6, 13 e 14;
O anexo 14, por sua vez, especifica estas atividades, dizendo:
ANEXO Nº 14
AGENTES BIOLÓGICOS (115.047-2 / I4)
Relação das atividades que envolvem agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada pela avaliação qualitativa.
INSALUBRIDADE DE GRAU MÁXIMO:
Trabalho ou operações, em contato permanente com:
- pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados;
- carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose);
- esgotos (galerias e tanques);
- lixo urbano (coleta e industrialização).
INSALUBRIDADE DE GRAU MÉDIO:
Trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infectocontagiante, em:
- hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana (aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com os pacientes, bem como aos que manuseiam objetos de uso desses pacientes, não previamente esterilizados);
- hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados ao atendimento e tratamento de animais (aplica-se apenas ao pessoal que tenha contato com tais animais);
- contato em laboratórios, com animais destinados ao preparo de soro, vacinas e outros produtos; laboratórios de análise clínica e histopatologia (aplica-se tão-só ao pessoal técnico);
- gabinetes de autópsias, de anatomia e histoanatomopatologia (aplica-se somente ao pessoal técnico);
- cemitérios (exumação de corpos);
- estábulos e cavalariças;
- resíduos de animais deteriorados.
Em decorrência da circunstância e da complexidade, no caso em apreço, o Estado do Piauí não poderia permitir a existência das irregularidades apontadas no relatório da Vigilância Sanitária e do Corpo de Bombeiro, porque se a atividade em questão, quando desenvolvida dentro das condições de segurança já é considerada insalubre, de acordo com a famigerada NR 15 - Norma Regulamentadora Nº 15, referente as Atividades e Operações Insalubres (regulamentam e fornecem orientações sobre procedimentos obrigatórios relacionados à segurança e medicina do trabalho no Brasil), então imagine, como ficará esta insalubridade, quando a atividade é desenvolvida em local fora dos padrões sanitários e de segurança, como na fábula do IML de Parnaíba!
Acredito que o bom senso já indica que estas atividades devem ser realizadas dentro de um rigor sanitário e de segurança mais apurado que as atividades laborais habituais.
Por isto, cotejando o comportamento do Estado do Piauí em relação ao utópico IML em crivo e aos trabalhadores que lá desenvolvem suas atividades com as legislações acima mencionadas, só resta concluir que ele também não está cumprindo as normas de proteção ao trabalhador, especialmente os artigos 99 e 100, ambos do Código de Saúde, que determina o seguinte:
“Artigo 99 – São obrigações do empregador além do que estabelece a legislação em vigor:
I – oferecer condições de segurança e de organização do trabalho de forma a preservar a saúde do trabalhador;
II – manter programas regulares de controle da saúde do trabalhador e de segurança dos ambientes de trabalho;
III – manter o trabalhador e sua entidade sindical informados sobre:
a) os riscos de doença profissional, de doença do trabalho e de acidente do trabalho.
b) os resultados de fiscalizações e de avaliações ambientais.
c) os resultados de exames admissionais, periódicos e demissionais, respeitados os preceitos da ética profissional.
IV – paralisar as atividades quando houver risco grave e iminente no local de trabalho;
V – facilitar o acesso da autoridade sanitária e dos técnicos da saúde do trabalhador aos locais de trabalho, fornecendo as informações e os dados solicitados.
Artigo 100 – A implantação de medidas que visem à eliminação ou à redução dos riscos no ambiente de trabalho pelo empregador obedecerá à seguinte prioridade:
I – medidas de proteção coletiva:
a) a eliminação do risco na fonte.
b) o controle do risco na fonte.
c) o controle dos riscos no ambiente de trabalho.
II – medidas de proteção individual por meio da utilização de equipamento de proteção individual (EPI).”
Em tal caso, como resta observado, sob qualquer prisma que se analise só se pode concluir que os requeridos estão obrigados, por força da lei, a fornecer os serviços de perícia médica, necropsia, etc., de forma contínua, em ambiente adequado, eficiente e seguro, não só para os usuários, como também para os seus servidores. Isto porque, esses serviços fazem parte de um “conjunto de serviço público tido como fundamental”, pois configura uma situação intensamente ligada à função estatal, de prestação absolutamente imprescindível à coletividade.
Os requeridos, conforme se depreende dos fatos anteriormente narrados, que é sabido por todos - principalmente dos usuários - não vem prestando os serviços a eles outorgados de forma adequada e eficiente, não assegurando sequer o elementar e básico direito à segurança dos que se servem desses serviços essenciais. Estão claramente demonstradas no procedimento investigatório preliminar em que se embasa esta ação a inadequação e insegurança destes serviços. Os relatórios técnicos de inspeção da Vigilância Sanitária e do Corpo de Bombeiro ratificam a bizarra conjuntura.
Não obstante o conhecimento inegável desses gravíssimos fatos, nada, absolutamente nada tem sido feito pelos requeridos para por termo à inadequação e insegurança das instalações do “HEDA/IML”. O Município de Parnaíba, por sua vez, não só resta entregue ao sono, no tocante a adequação das instalações de um prédio, que hoje é de sua responsabilidade/gestão (municipalização da saúde), como também não cumpre o seu dever de interditar tal edificação. Estes comportamentos, altamente censuráveis, impelem o Ministério Público, no exercício das funções que lhe foram cometidas pela Carta Magna, a provocar a jurisdição em busca de uma prestação mínima, que ao menos seja suscetível de mitigar os riscos a que são submetidos os usuários e dos trabalhadores do serviço em questão.
Sem margem de imprecisão, o disparate grotesco do Poder Público tem sido uma condição para que o serviço esteja sendo prestado de forma inadequada. Os requeridos, como já foi vastamente aduzido nesta peça vestibular, descuraram-se, e vêm se descurando, da obrigação que lhes cabe de prestarem um serviço adequado, não cumprindo o dever legal de obstarem a ocorrência de um possível evento danoso de proporções que, à vista do descumprimento das normas sanitárias acima referidas, é inteiramente previsível. Os requeridos têm o dever de evitar omissões, e de agirem com eficiência e oportunamente, procurando preverem em vez de remediarem, de modo a removerem tudo quanto possa ser lesivo ao administrado. Como eles têm ignorado esse dever, o comportamento deles tem sido ilícito, devendo, por isto, responderem por essa incúria, negligência ou deficiência.
Desse modo, o desatendimento às exigências legais, no que toca à forma de prestação do serviço, implica ofensa ao princípio da legalidade, disposto no artigo 37, da Constituição Federal, ainda que por omissão manifesta da entidade prestadora.
Citando OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, a Professora MARIA HELENA DINIZ destaca que: “(...) a responsabilidade do Estado, por omissão, só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funciona ou funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os neles interessados (...)” (in, Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1994. Pág. 434/435).
Não se pode olvidar ainda, por oportuno, que os réus também estão violando o princípio constitucional da eficiência da administração pública.
Na feliz ponderação da hodierna doutrina de ALEXANDRE DE MORAES, “(...) a EC 19/98, seguindo os passos de algumas legislações estrangeiras, no sentido de pretender garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos, passou a proclamar que a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverá obedecer, além dos tradicionais princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao princípio da eficiência (...)” (in, Direito Constitucional. 8a edição. São Paulo: Atlas, 2000. Pág. 302).
E identificando a busca pela qualidade como uma das características do princípio da eficiência, assim leciona: “(...) busca da qualidade: ressalte-se a definição dada pela Secretaria Geral da Presidência, de que ‘qualidade de serviço público é, antes de tudo, qualidade de um serviço, sem distinção se prestado por instituição de caráter público ou privado; busca-se a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, primordialmente, a satisfação proporcionada ao consumidor, cliente ou usuário (...)” (in, op.cit. Pág. 308).
Da Prestação de Serviços Públicos
Ora, se a Constituição da República, o Código Consumerista, a Lei Orgânica da Saúde e o Código da Saúde tutelam firmemente o direito à saúde do trabalhador e do usuário do serviço público, e impõe ao Estado o dever de garanti-lo, reconhecendo a eles um direito público subjetivo que os legitima a exigir esse acesso e assistência, não se pode admitir qualquer omissão do Poder Público, especialmente em função do princípio da legalidade que deve nortear a Administração Pública e os atos dos administradores públicos.
A hipótese dos autos é de evidente obrigatoriedade por parte da Administração Pública à execução das medidas vindicadas que atendem o mandamento constitucional. A lei não estabeleceu qualquer liberdade ou liberalidade ao Poder Público no trato com os chamados direitos subjetivos públicos. Não se pode perder de vista que o objeto da lide, mais precisamente a causa de pedir e o próprio pedido, está liminarmente relacionado a interesses subjetivos públicos, portanto, indisponíveis para o Estado. Tratam-se de interesses que se sobrepõem ao interesse particular e ao subjetivo interesse do Governante, posto que efetivamente resta em jogo a vida e a saúde da pessoa humana, ou seja, usuários e trabalhadores do “HEDA/IML”.
O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos confina a atuação do administrador público àquele determinado fim, não havendo possibilidade expressa de decisões alternativas. Há somente uma decisão: o cumprimento do dever.
No caso vertente fica evidenciado que esse direito constitucional líquido e certo está sendo flagrantemente vulnerado pelo Estado do Piauí e pelo Município de Parnaíba porque eles têm deixado as instalações do prédio/sala destinado à perícias, necropsias, etc., em situação precária. Assim sendo, ao Poder Judiciário é conferido o poder de condená-los à obrigação de fazer, nos termos da lei que instituiu a ação civil pública ora promovida. É que ao dever estatal e municipal de prestar este serviço público de forma eficiente e segura, corresponde a necessidade de instituir mecanismos adequados à relevância do munus atribuído pela Constituição Federal.
Princípio do Controle Judicial
Então, ao contemplar esta causa original e decidir favoravelmente ao rogado, o Poder Judiciário não estará se imiscuindo em assuntos que não lhe dizem respeito, nem deliberando sobre matéria que esteja a cargo do Poder Executivo.
Nem se diga também, que o objeto do pedido e da causa de pedir são atinentes ao ato administrativo, afeto ao poder discricionário da Administração, porque não se pode falar em discricionariedade da Administração quando a Magna Carta e as leis ordinárias impõem, de maneira imperiosa e peremptória, a obrigatoriedade de uma atuação eficiente, destinada a resguardar esta garantia constitucional dos cidadãos/coletividade.
Em ocasião idêntica elucida MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO que: "(...) no Estado de Direito social a vinculação à lei passou a abranger toda a atividade administrativa; o princípio da legalidade ganhou sentido novo, significando que a Administração só pode fazer o que a lei permite". E prossegue: "A própria discricionariedade tem que ser compreendida como um poder limitado pela lei; deixou de existir aquela esfera de ação em que a Administração Pública age livremente (...)" (Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Ed. Atlas, São Paulo, 1991, págs. 29/30).
Não se tem dúvida alguma de que todo e qualquer ato administrativo que diga respeito à proteção da vida, saúde, educação, segurança, dignidade da pessoa humana etc., há que ser considerado como de natureza vinculada à Administração, não existindo "discricionariedade" dos governantes que, não raras vezes, têm faltado com os deveres elementares inerentes às questões de interesse público e coletivo.
Foi por se meditar em uma inexistente discricionariedade que ainda não foi implantado na ensolarada Parnaíba, portal do turismo do Estado do Piauí, um sistema público de saúde adequado à realidade e a necessidade da população (fixa e flutuante), ou seja, nada mais do que aquilo que está previsto em lei. Torne-se a dizer: não existe discricionariedade in casu, porque o legislador já fixou os limites e os requisitos para o agir da Administração Pública.
É bom relembrar que muitos outros direitos são relegados ao esquecimento, despojados em nome de uma suposta discricionariedade administrativa que, não raras vezes, descamba para a desídia, prevaricação, corrupção, improbidade etc. Discricionariedade não se confunde com arbitrariedade e tampouco “mortos com vivos”.
Além do mais, é justamente em razão da injustificável extensão do conceito de "discricionariedade" que muitos bens e direitos sociais se apresentam atualmente debilitados e desvirtuados. Acredito que por conta de tal sequela, por exemplo, a saúde e a segurança estejam tão abaladas e deficitárias em nosso país. Com o advento do Estado de Direito Democrático não mais pode prevalecer, em detrimento do público, a “vontade discricionária do soberano”, hoje tratado como Administração.
Consoante ensinamento dos doutrinadores do século XVIII, a repartição do Estado em 03 (três) poderes mirou precisamente instrumentalizar a necessidade do detentor de tal poder, Executivo, ser obrigado, pelo Judiciário, a cumprir com a lei emanada da sociedade administrada, Legislativo. É em nome e a bem da harmonia e da independência entre os 03 (três) Poderes que este controle se impõe e se faz necessário.
Dizer o direito existente não constitui intromissão ou ingerência de um Poder sobre o outro, mas representa sim, o efetivo exercício da importantíssima missão de guardar e velar pela fiel aplicação da lei, nos limites da competência preestabelecida constitucionalmente.
A submissão dos comportamentos da Administração ao controle jurisdicional é uma decorrência do Estado de Direito. Por isso, com razão, assegura CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que: "(...) de nada valeria proclamar-se o sujeitamento da Administração à Constituição e às leis, se não fosse possível, perante um órgão imparcial e independente, contestar seus atos com as exigências delas decorrentes, obter-lhes a fulminação quando inválidos, e as reparações patrimoniais cabíveis (...)" (Elementos de Direito Administrativo, Malheiros, 3a Ed., pág. 107).
À guisa de paradigma, traz-se à colação o v. Acórdão proferido, à unanimidade, pela 7ª Câmara Cível do nobre Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em data de 12.03.97, sendo Relator o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Gischkow Pereira, na Apelação Cível nº 596017897 - Santo Ângelo, cujo julgado encontra-se editado na Revista de Jurisprudência do TJRGS, nº 182, às fls. 260/284:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOLESCENTE INFRATOR. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO-MEMBRO INSTALAR E MANTER PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE PARA ADOLESCENTES INFRATORES.
1. Descabimento de denunciação da lide à União e ao Município.
2. Obrigação de o Estado-Membro instalar (fazer as obras necessárias) e manter programas de internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve incluir a respectiva verba orçamentária.
Com esteio no julgado acima, mais precisamente, do voto do singular relator extrai-se a seguinte lição:
“ Discricionariedade, conveniência e oportunidade não permitem ao administrador se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal. (...)
Essa questão também deve ser vista sob outro ângulo racional. Na verdade, não se trata de afrontar o poder discricionário do administrador público, mas de exigir-lhe a observância do mandamento legal. Como ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “a relação existente entre o indivíduo e a lei é meramente uma relação de não contradição, enquanto que a relação existente entre a Administração e a lei é não apenas uma relação de não contradição, mas é também uma relação de subsunção” (in ‘Discricionariedade e Controle Judicial, Malheiros Editores, pág. 13).”
O recurso ao Poder Judiciário não subjuga a Administração em razão da independência dos Poderes, porque nesta oportunidade não se discute a liberdade da Administração na gestão da coisa pública, mas a omissão do administrador que está ferindo os interesses do próprio Estado.
A obrigação de fazer que se “pretende e deseja” seja imposta aos réus está prevista, no nosso ordenamento jurídico (Constituição da República e Leis Ordinárias) como dever, do qual ele está se descurando; então se busca apenas compeli-lo a fazer aquilo que, por dever de ofício, já tinham de ter feito.
Por esta razão faz-se necessária a intervenção do Poder Judiciário para efetivar o poder-dever de controle da legalidade e o cumprimento das leis, pois ao se considerar que a Administração pode deixar de cumprir com o que está expressamente previsto na Carta Maior do País e em lei ordinária, criou-se um novo poder absoluto, contrário ao Estado de Direito.
A solução de tão relevante e intangível problema público e social afina-se com a supremacia do interesse público, com a moralidade e probidade administrativa, com a eficiência da administração e com tudo que se relaciona ao múnus público voltado ao bem comum. Como se vê, o controle Judicial é inarredável, impostergável e moralmente exigido.
Cumpre ainda lembrar que a todo direito corresponde uma ação que o assegura e o exercício deste direito não pode e não deve ser cerceado ou limitado, pois o Judiciário não pode ficar alheio ou excluído da apreciação de ofensa ou de ameaça a direito (C.F./88, artigo 5.º, inciso XXXV).
Nesta linha de mira, não se pode duvidar da necessidade de tutelar-se notadamente os interesses coletivos, públicos ou difusos. RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, acerca do acesso à justiça das chamadas "liberdades públicas", escreve que: “(...) quando desrespeitados ou obstados, ensejam o acesso à Justiça, através dos instrumentos processuais de índole coletiva a que já aludimos: ação popular, ação civil pública, mandado de segurança coletivo (...).” (Ação Popular, Ed. RT, 2a. ed., 1996, p. 28/29). * grifei
PETRÔNIO BRAZ, discorrendo sobre o princípio do controle judicial, escreve que: “(...) Com o advento da Constituição Federal de 1988, pela disposição fundamental do artigo 5º, inciso XXXV, a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, o que vale dizer, se o ato administrativo, mesmo que editado dentro do princípio da legalidade, for ofensivo a direito do administrado, este poderá buscar amparo do Poder Judiciário (...).” (Atos Administrativos, Editora de Direito, Leme-SP, 1997, pág. 64/65).
Ora, se a lei ordinária e a Lei Maior impuseram ao Estado o dever de manter um instituo médico legal em instalações adequadas, não se cuida de discricionariedade, por não caber qualquer escolha ou alternativa. Então, não cumprir estas disposições legais não é agir com arbitrariedade, abuso, excesso ou desvio de poder? A resposta a esta assertiva só pode ser afirmativa, portanto está plenamente justificada a atuação do Poder Judiciário, para fazer cessar a ilegalidade.
O Judiciário não estará, de modo algum, intrometendo-se nos assuntos da Administração, porque sua missão controladora vale muito mais do que esta pejorativa assertiva. A esse “Poder Soberano” é dado apreciar toda e qualquer questão que lhe seja posta para análise e julgamento, mormente quando, como no caso em concreto, estão presentes os requisitos essenciais e os pressupostos legais. É este o princípio do acesso ao Judiciário, devendo ser incentivado e facilitado em nome da sempre almejada e cristalina JUSTIÇA.
Resta acentuar que ao direito não basta ser um mero reflexo da realidade, ele deve ser agente transformador desta realidade, ainda mais quando se refere aos direitos sociais, e, entre eles, o direito à saúde. Para isto se faz necessário que seja conferida maior eficácia às normas constitucionais, pois todas elas, indistintamente, dispõem de imperatividade e é tarefa dos “operadores do direito” confirmarem tal qualidade.
Monocrático Julgador é sazão de se questionar: É justo que o Poder Público tenha o direito de submeter seus cidadãos e seus trabalhadores a risco de vida e expor a saúde deles, por não cumprir normas técnicas, algumas delas editadas por ele mesmo? Acredito que o rebate é negativo. Então, não basta que esse insigne Juízo declare a ilegalidade e a inconstitucionalidade existentes nesta conduta, mas também deve principalmente determinar a forma de corrigir tais vícios.
Da Reserva do Possível e do Mínimo Existencial
Adentrando a seara constitucional, mais precisamente na arena dos direitos fundamentais, o mínimo existencial é hoje o ajuntamento de bens e utilidades imprescindíveis à existência humana considerada digna. É sabido que existe discordância no tocante ao âmago de direitos abrangidos pelo mínimo existencial.
Seguindo a esteira da maioria dos juristas, no que tange ao entendimento pacífico do assunto, temos o posicionamento de LUIS ROBERTO BARROSO, que acerca do ingresso à justiça das apelidadas "condições ínfimas", este registra que: “(...) o mínimo existencial se configura num tripé: saúde, educação e moradia que são direitos garantidos na Carta Cidadã de 1988 (...).”
Em ótica distinta temos RICARDO LOBO discorrendo sua inteligência na qual perfilha que: “(...) a variação do conteúdo do mínimo existencial de acordo com cada sociedade, com enfoque nas peculiaridades, necessidades ou anseios do contexto histórico da época (...).”
O mínimo existencial encontra-se na parte setorial do princípio da máxima efetividade do âmago reduzido de direitos sociais escolhidos, em assim sendo, não é viável serem postergados pela reserva do possível. Essa é a razão, mais que plausível, para assegurar uma meta prioritária na elaboração do orçamento público e das políticas públicas, isso porque deve ser finalidade do Poder Público, no caso em crivo o Estado do Piauí e o Município de Parnaíba, não se eximirem das obrigações estipuladas nas normas legais já fartamente abalizadas nesta peça, consolidando programas na esfera do direito social como um todo, objetivando a singular estratégia de garantir a execução do mínimo existencial. Aqui, nada mais que a construção do Instituto Médico Legal de Parnaíba.
Na verdade, a reserva do possível seria a limitação fática-orçamentária, alegada eternamente pelo Estado para não se responsabilizar socialmente no tocante ao descumprimento da adoção de políticas públicas que garantam a efetividade dos direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais básicos. É o peculiar da maioria dos políticos brasileiros em detrimento a população carente.
Em alusão expressa do tema, o jurista ANDREAS KRELL, referindo-se ao posicionamento do português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO na sua fantástica obra, assim dispõe: “(...) O português Canotilho vê a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma reserva do possível e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. A elevação do nível da sua realização estaria sempre condicionada pelo volume de recursos suscetível de ser mobilizado para esse efeito (...).” (da obra “Fundamentos da Constituição”)
É lógico que nesse ponto, KRELL expressa que o entendimento acima teria se baseado na jurisprudência constitucional alemã, que consolidou o seguinte: “(...) a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição dos orçamentos públicos (...).”
É lógico que nesse ponto, KRELL expressa que o entendimento acima teria se baseado na jurisprudência constitucional alemã, que consolidou o seguinte: “(...) a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição dos orçamentos públicos (...).”
Com o conhecimento que a denominada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, numa conjuntura jurídica, econômica e social bem superior e totalmente diferente da árdua realidade do Brasil, considerado um país emergente, cabe a este órgão ministerial evocar a reflexão sobre quem ou qual organismo teria legitimidade, na atual circunstância brasileira, para definir o que estaria “dentro do possível”, isso em face da composição distorcida dos orçamentos nos 03 (três) níveis dos entes federativos, ou seja, a União, os Estados e os Municípios.
Nessa linha de raciocínio, cumpre trazer à baila o apropriado posicionamento crítico do magistrado DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR: “(...) Num Estado em que o povo carece de um padrão mínimo de prestações sociais para sobreviver, onde pululam cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio milhão de crianças são expostas ao trabalho escravo, enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que não lhes garante a mínima dignidade, os direitos sociais não podem ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. Não se trata de desconsiderar que o Direito não tem a capacidade de gerar recursos materiais para sua efetivação. Tampouco negar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe. Não é este o caso, pois aquele “algo” existe e sempre existirá, só que não se encontra - este sim, é o caso - devidamente distribuído! Cuida-se, aqui, de se permitir ao Poder Judiciário, na atividade de controle das omissões do poder público, determinar uma redistribuição dos recursos públicos existentes, retirando-os de outras áreas (fomento econômico a empresas concessionárias ou permissionárias mal administradas; serviço da dívida; mordomias no tratamento de certas autoridades políticas, como jatinhos, festas pomposas, comitivas desnecessárias em viagens internacionais, pagamento de diárias excessivas; gastos em publicidade, etc.) para destiná-los ao atendimento das necessidades vitais do homem, dotando-o das condições mínimas de existência (...).”
Em consequência, cabe aqui apresentar também o conceito do mínimo existencial, que corresponde ao padrão ínfimo de efetividade das normas disciplinadoras dos direitos fundamentais. O mínimo existencial, portanto, seria o limite da reserva do possível, à medida que esse “pequeníssimo” não poderá ser desmerecido pelo Estado, mesmo que venha a ser alegada a reserva do possível.
Em consequência, cabe aqui apresentar também o conceito do mínimo existencial, que corresponde ao padrão ínfimo de efetividade das normas disciplinadoras dos direitos fundamentais. O mínimo existencial, portanto, seria o limite da reserva do possível, à medida que esse “pequeníssimo” não poderá ser desmerecido pelo Estado, mesmo que venha a ser alegada a reserva do possível.
Por fim, esse “padrão mínimo social” consistiria na intervenção do Estado Igualitário a fim de garantir a existência física da pessoa, incluindo o básico de alimentação, atendimento à saúde, educação, moradia, segurança, ressalvando que o conteúdo material e concreto desse “mínimo” será variável de um país para outro.
No atual contexto da nação brasileira, em especial a região nordeste, pontualmente ao “Estado do Piauí”, é obrigação deste órgão fiscalizador cientificar ao Brioso Julgador que, na doutrina e na jurisprudência brasileiras, entretanto, a teoria do mínimo existencial ainda não teve a mesma repercussão ocorrida na Alemanha e em outros países desenvolvidos, no sentido de representar um direito subjetivo do indivíduo contra o Poder Público diante do quadro de redução esdrúxula, ou mesmo de ausência leonina, da prestação dos serviços sociais básicos que permitam garantir a dignidade da sua existência. Assim entendo e volto a enfatizar que a criação do Instituto Médico Legal da Parnaíba, faz parte do mínimo existencial de toda região norte do Estado do Piauí, englobando e protegendo os interesses básicos sociais da “população carente” de vários municípios, e mais, que um basta ao descaso político deve ser dado como garantia constitucional e exemplo de justiça a toda nação.
Da Legitimidade do Ministério Público
A legitimidade do autor para defesa de direitos difusos, coletivos ou mesmo individuais homogêneos decorre tanto da Constituição Federal, em seu artigo 129, incisos III e IX, quanto do Código de Defesa do Consumidor – C.D.C., e da Lei de Ação Civil Pública - Lei Federal Nº 7.347/85.
Estas leis atribuem ao Ministério Público a legitimidade para ajuizar as ações civis para a defesa dos interesses coletivos e difusos, também os interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Com efeito, além da regra Constitucional acima mencionada, o artigo 1°, inciso IV, e artigo 5°, ambos da Lei N° 7.347/85, aliado agora ao artigo 25, inciso IV, “a”, da Lei N° 8.625/93, asseguram ao Ministério Público a legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública que venha a requerer em Juízo a preservação dos mencionados direitos.
Sobressai neste caso a presença de interesses difusos que estão a exigir a devida proteção judicial, sendo indiscutível que o Ministério Público é o Órgão Detentor de atribuições legais para promover a defesa de tal direito.
Os fatos narrados nesta ação importam em lesão a direito difuso, definido no artigo 81, parágrafo único, inciso I, como: “os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
Para PÉRICLES PRADE, os direitos difusos são aqueles titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade.
Nestes casos a 1ª Promotoria de Justiça age tão-só imbuída da efetiva defesa da vida, saúde e segurança dos usuários dos serviços públicos, no escopo de proporcionar-lhes a utilização de serviço com o afastamento de qualquer situação de nocividade ou periculosidade. E, nesta atuação, com caráter premonitório, sobrepõe-se antes de tudo o dever de pedir a proteção jurisdicional aos interesses metaindividuais lesionados. Aliás, na evolução do Direito, as ações coletivas vieram para servir ao superior desiderato de prevenir ofensas, ou senão, de afastá-las sem maiores delongas, impedindo uma inadmissível repetição.
Neste patamar, vale citar a séria advertência lançada por NELSON NERY JÚNIOR: “(...) Deixar de conceder legitimação para que alguém ou alguma entidade ou organismo possa vir a juízo na defesa dos direitos e interesses difusos ou coletivos. é ofender o princípio constitucional que garante o acesso à justiça por meio do exercício do direito de ação judicial (...)” ( Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, pág. 109).
João Batista de Almeida, por seu turno, evidencia que:
“(...) Mercê de suas atribuições Constitucionais de defesa da sociedade e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (C.F., artigo 127, c/c o artigo 129, incisos II e III) e da qualificação profissional de seus membros, o Ministério Público, dentre os demais legitimados, é, certamente, o órgão mais bem aparelhado para promover a defesa do consumidor, em nível judicial. Há, verdadeiramente, uma vocação natural para o mister (...)”
O Ministério Público dispõe de legitimação para promover a ação civil pública para a defesa dos interesses ou direitos difusos ou coletivos, como, aliás, já o faz desde 1985 ( Lei Nº. 7.347/85, artigo 5º, c/c o C.D.C. - Lei n. 8.078/90, artigos 82,83 e 90 ).” (A Proteção Jurídica do Consumidor, págs. 155-156).
Além disto, atua também na defesa da saúde do trabalhador. Inconteste, então, a legitimação para atuar da 1ª Promotoria de Justiça, responsável pela Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Parnaíba. As normas do Código de Defesa do Consumidor vieram inovar os conceitos jurídicos tradicionais estando, assim, os legitimados à ação civil pública instrumentalizados a quaisquer medidas adequadas e tendentes à tutela coletiva dos lesados.
Por estas razões, falece pertinência a qualquer dúvida que for suscitada sobre a legitimidade ativa do “Parquet”, posto que estão sendo exercidas atribuições constitucionalmente conferidas ao Ministério Público, ratificadas por todas as legislações infraconstitucionais supramencionadas, em busca da prestação jurisdicional que o caso reclama com máxima urgência
Da Necessidade de Ordem Liminar
Durante o curso do procedimento investigatório e ao longo dos anos pretéritos, os agora requeridos foram advertidos e concitados a regularizarem as dependências do HEDA/IML, de forma a garantir a segurança e a saúde de seus usuários e trabalhadores, mas não o fizeram. Não se manifestaram e não justificaram os motivos da inércia. O desinteresse demonstrado pelos réus permite antever que querem se furtar às suas responsabilidades, portanto, esta demanda resultou do não atendimento pelos réus das normas mínimas de funcionamento, de segurança e sanitárias.
Não obstante, permite que os serviços continuem sendo realizados no local, o que está colocando em risco a vida e a saúde dos usuários e trabalhadores. Emerge, então, da situação fática concreta, a necessidade da adoção de medidas urgentes, enquanto não cumpridas pelo requerido as exigências administrativas e legais referidas nesta ação.
Ora, na defesa dos direitos e interesses dos consumidores são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, conforme preceitua o artigo 83, da Lei Federal Nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, e artigo 21, da Lei Federal Nº 7.347/85 -Ação Civil Pública.
Especificando esta atuação, o artigo 12, da Lei nº 7.347/85, estatui que é cabível a concessão de medida liminar, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil pública, sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar (neste sentido, veja-se RJTJSP 113/312).
Determina, ainda, o Código de Processo Civil, em seu artigo 798, que além dos procedimentos cautelares específicos, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de lesão grave e de difícil reparação e também pelo artigo 888, inciso VIII, do mesmo diploma, a “(...) interdição...de prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público(...)”.
Como ensinam os hodiernos processualistas, o processo é instrumento de pacificação social, devendo proporcionar tudo aquilo que o autor receberia não fosse a pretensão resistida do réu, ou, no dizer do mestre CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “(...) a função jurisdicional e a legislação estão ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambas: a paz social (...)” (A Instrumentalidade do Processo p.159 - 3ª edição - Malheiros Editores).
Pertinente é o magistério de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ao se referir à tutela preventiva dos interesses coletivos ou difusos: “(...) Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca do de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia (...)”. (in Temas de Direito Processual, 1988, p.24).
No mesmo diapasão é o entendimento de RODOLFO CAMARGO MANCUSO: “(...) Cabe ressaltar, desde logo, que o art. 4° contém uma particularidade: a acautela não é apenas preventiva, como seria curial, mas pode conter um facere, tudo em ordem a “evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor...” etc., quer dizer: a nível preventivo, já se pode obter um provimento de conteúdo executório, v.g.; ...o industrial cuja empresa lança poluentes na atmosfera, será constrangido, desde logo, a instalar os equipamentos antipoluentes; (...)” (in Ação Civil Pública, Revista dos Tribunais, 4ª edição, p.137).
No caso em apreço é perfeitamente possível a concessão de medida liminar, nos termos do artigo 12, da Lei Nº 7.347/85, uma vez os 02 (dois) requisitos reclamados para a concessão da liminar estão nitidamente caracterizados, a saber o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. O primeiro requisito, fumus boni iuris, isto é, o sinal de bom direito ou a aparência de bom direito, está suficientemente demonstrado na exposição contida nesta ação e nos autos do Procedimento Investigatório Preliminar Nº 001/2011, que foi convertido em Inquérito Civil Público Nº 002/2011, em anexo, em face do não cumprimento, pelos réus das normas de segurança e sanitárias, das disposições do Código de Defesa do Consumidor e também das normas de segurança do trabalhador.
Pelos documentos que instruem esta petição inicial, bem como pela abordagem exaustiva que se fez nesta peça processual, percebe-se que existe não só a aparência do bom direito, mas sim prova inequívoca dos fatos aqui articulados. Esta prova está lastreada nos laudos elaborados pelo Corpo de Bombeiro e Vigilância Sanitária Municipal, que hão que ser reputados como idôneos, visto que subscritos por agentes públicos, devidamente investidos de suas funções e que por isto gozam de fé pública.
Pela simples leitura dos documentos carreados para o seio dos autos, percebe-se que os requeridos estão descumprindo as normas comezinhas de proteção aos usuários e trabalhadores, colocando lado a lado “mortos e vivos”.
Tal fato é visível na medida em que realizam ou permitem realizar perícias e necropsias em local inseguro, inapropriado e insalubre, o que por si só leva a conclusão inarredável da verossimilhança das alegações feitas pelo autor.
Quanto ao segundo requisito, periculum in mora, isto é, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação em caso de demora na prestação jurisdicional, é fator indiscutível, pois restou igualmente demonstrado, que por se encontrar suas dependências em desacordo com as normas sanitárias e de segurança, o suposto HEDA/IML, local de prestação de serviço público, expõe a risco os usuários que dele se utilizam e dos servidores públicos que lá trabalham.
Quanto à potencialidade de dano daí decorrente é de se levar em consideração que a questão atinge um indeterminado e grande número de pessoas. E os danos não serão apenas patrimoniais: envolve a saúde e a vida de pessoas. A prevenção da lesão e da sua continuidade é atitude que se impõe, pois é inaceitável que os réus violem a ordem jurídica colocando em risco a saúde e a segurança dos consumidores.
Insofismável, pois, o deferimento da cautela preventiva, sem o aguardo do julgamento final do feito, sob pena do provimento jurisdicional tornar-se imprestável perante uma situação consumada de dano irreparável e de difícil reparação. E mais, também se a ouvida da parte contrária for necessária, há concreto receio de que o provimento seja tardio.
Como informa BETINA RIZZATO LARA, em sua obra: “(...) a primeira característica da liminar é a urgência, pois visa solucionar o problema da demora na finalização do processo (...)”. (Liminares no Processo Civil”, p. 200 - Editora Revista dos Tribunais).
Sobre este aspecto, cumpre lembrar que a ação visa a proteção da vida e da saúde dos usuários deste serviço público e também dos trabalhadores daquele local, que realizam exumações, necropsias, etc, ou seja, lidam com os cadáveres humanos que para lá são levados. Então, há 02 (dois) pedidos distintos a serem feitos neste tópico: um é para a proteção imediata dos usuários vivos e para proteção dos trabalhadores do local, já o outro, é para a abonação pertinente aos mortos no que diz respeito a real causa do óbito.
O Hospital Estadual Dirceu Arcoverde – HEDA deve ter suas funções básicas restabelecidas como local destinado ao atendimento de doentes em geral, principalmente a população mais carente, sem condição de pagar um plano de saúde, evidenciando a cura através do diagnóstico criterioso, que em regra deve ser elaborado nos vários tipos como laboratorial, clínico, cinesiológico-funcional e o tratamento imprescindível e pleno. Assim deve ser retificada sua hoje “malfadada sina” de colocar, no mesmo ambiente, pessoas vivas e cadáveres humanos, pois nem mesmo na Idade Média, época em que surgiram os primeiros hospitais ou nosocômios isso era permitido, na realidade os hospitais abrolharam como espaços de guarida de doentes e peregrinos, que vagavam de uma cidade para outra e não como ambientes funestos de valhacouto putrefeito.
Assim, pois, com abrigo no artigo 12, da Lei n° 7.347/85, requer o Ministério Público, inaudita altera parte, sejam determinadas as seguintes providências cautelares:
a) a imediata suspensão da realização de todo e qualquer exame pericial (exame de corpo de delito, exame cadavérico, etc.) ou perícia médica em “pessoas vivas ou mortas” naquele local, com o que se estará protegendo a vida e a saúde e o direito dos usuários que se utilizam destes serviços;
b) que seja alugado, em caráter provisório, prédio longe do HEDA, com as condições mínimas de serem exercidas as funções do IML, com pias, mesas de inox, banheiros, ventilação, segurança, fossas sépticas e câmara frigorífica, para funcionar até a construção do IML em definitivo.
c) decorridos 30 (trinta) dias da intimação dos requeridos, se não houver a adequação das normas de proteção a vida e a saúde dos trabalhadores que lá se encontram, interdição total das instalações do HEDA/IML em Parnaíba, determinando-se, após o prazo concedido, que os réus se abstenham de realizar qualquer atividade naquele local, impedindo-se, assim, a entrada e permanência de qualquer usuário em suas dependências, até julgamento do pedido principal.
Resta ainda acentuar ao Nobre Julgador, que o prazo de 30 (trinta) dias, ora sugerido, seja concedido ao Estado do Piauí e ao Município de Parnaíba, para que procedam às adequações mínimas nas instalações provisórias do IML, a bem de toda população da região norte e população flutuante. Isso, porém, não representa uma tolerância com a desídia do poder público, mas sim o respeito à população (o que deveria ser preocupação do administrador público) e a busca por uma solução que evite o lúgubre turismo de cadáveres em Parnaíba e região, durante o período de interdição total do HEDA/IML.
Assim, pois, o Ministério Público sugere a este Juízo que conceda aos requeridos 30 (trinta) dias para que adotem as primeiras providências corretivas, demonstrando com isso que nesta ação o que se pretende é atender, a um só tempo, os interesses de toda a população usuária e também dos trabalhadores sujeitos às condições indignas e insalubres de trabalho no HEDA/IML, bem como, o direito dos mortos e familiares da verdade expressa na certidão de óbito.
Se após este prazo, os requeridos não adequarem o HEDA/IML, nada mais pode justificar a permanência do status quo, pois todos os dias a população e os trabalhadores daquele órgão tem suas vidas e saúde expostos a risco em função da inércia de seus administradores.
Nos termos do artigo 11, da mesma lei, pelo descumprimento da decisão liminar, requer-se a fixação da multa de R$10.000,00 (dez mil reais), por serviço que for realizado no quimérico HEDA/IML de Parnaíba, sem prejuízo de caracterização de crime de desobediência. As multas deverão ser recolhidas ao Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor de Parnaíba.
DOS PEDIDOS FINAIS
Por efeito de todo o desvendado, requer o Ministério Público do Estado do Piauí, através da 1ª Promotoria de Justiça de Parnaíba:
1) a confirmação da medida liminar, inaudita altera parte, com fundamento no artigo 12, da Lei Nº 7.347/85, e artigo 273, do C.P.C., nos termos acima requeridos, para que seja suspensa imediatamente a realização dos exames de corpo de delito e perícias médicas naquele local, para prevenir a vida e a saúde dos usuários vivos que se utilizam destes serviços, bem como, o direito dos mortos e familiares sobre a verdade na certidão de óbito e a interdição total das instalações, se no prazo de 30 (trinta) dias os réus não procederem as adequações das “provisórias instalações do IML”, de modo a preservar a vida e a saúde dos trabalhadores daquele órgão, determinando-se, após este prazo, que réus se abstenham de realizar qualquer atividade naquele local, impedindo-se, em conseqüência, a entrada e permanência de usuários em suas dependências, até julgamento do pedido principal.
2) a citação do Município de Parnaíba, na pessoa do Prefeito Municipal, e do Estado do Piauí, na pessoa do Procurador-Geral, nos endereços inicialmente apontados para, querendo, contestarem esta ação no prazo de lei, sob pena de revelia.
3) a procedência “in totum” dos pedidos sistematicamente formulados nesta peça de ingresso, para que seja decretada a interdição das dependências utilizadas para exames periciais do HEDA/IML, determinando-se ao Município de Parnaíba, na pessoa do Prefeito Municipal a disponibilização de 01 (terreno), distante do HEDA, para o vindouro IML e ao Estado do Piauí, na pessoa do Procurador-Geral a imediata construção de 01 (prédio) com as características essenciais de um Instituto Médico Legal, seu completo aparelhamento, inclusive com câmara frigorífica, ventilação adequada, segurança contínua, formação do quadro funcional por meio de concurso e a manutenção ininterrupta através da Secretaria de Estado da Segurança Pública, tudo com obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no artigo 37, da Constituição Federal, e mais, aos réus que se abstenham de realizar qualquer serviço, público ou privado, naquele local e impeçam a entrada e permanência de usuários ou público em suas dependências até que os vícios de qualidade sanitária e de insegurança sejam sanados, ou seja, até que se proceda à adequação daquele prédio público, de forma a colocá-lo em condições de receber os usuários sem riscos à vida e a saúde deles e dos servidores públicos que lá prestam serviços, sujeitando-se ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por dia, em caso de descumprimento da decisão, nos moldes do artigo 287, do C.P.C., sem prejuízo de caracterização de crime de desobediência. As multas deverão ser recolhidas ao Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor de Parnaíba, nos moldes do artigo 14, inciso I, da Lei Complementar Municipal Nº 012, de 29 de abril de 2011. As multas deverão ser recolhidas ao Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor de Parnaíba, nos moldes do artigo 14, inciso I, da Lei Complementar Municipal Nº 012, de 29 de abril de 2011.
4) para regularizar as instalações do prédio do IML de Parnaíba, os requeridos devem submeter-se às normas legais e exigências atinentes àquela espécie do serviço, com a rigorosa inspeção pelos órgãos públicos competentes (Corpo de Bombeiro, Vigilância Sanitária, Ministério do Trabalho, etc.) e por peritos judiciais, vindo laudo circunstanciado para este processo.
5) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no artigo 18, da Lei Nº 7.347/85, e no artigo 87, da Lei Nº 8.078/90.
6) a condenação dos réus ao pagamento das despesas processuais.
7) a juntada do original do Procedimento Investigatório Preliminar Nº 001/2011, que foi convertido em Inquérito Civil Público Nº 002/2011, instaurado no âmbito da 1ª Promotoria de Justiça de Parnaíba, responsável pela Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Parnaíba.
8) a produção de todo gênero de provas admitidas em direito, e, em especial, a juntada de novos documentos, testemunhal, pericial, além do depoimento pessoal dos representantes dos réus, sob pena de confissão.
9) seja reconhecida a aplicabilidade na espécie do previsto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor – C.D.C., qual seja, inversão do ônus da prova, em razão da hipossuficiência dos usuários deste serviço público.
10) requer finalmente seja o titular da 1ª Promotoria de Justiça Civil dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Parnaíba-PI, junto a esta Comarca, intimado pessoalmente de todos os atos e audiências a serem realizadas durante o trâmite desta ação.
Dá-se à causa, para fins fiscais e de alçada o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Nestes termos,
Pede e espera serenamente,
O pronto deferimento.
Parnaíba (PI), 29 de junho de 2011.
DR. ANTENOR FILGUEIRAS LÔBO NETO
PROMOTORA DE JUSTIÇA
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